Monday, June 18, 2007

OS PRIVILEGIADOS, OS BIOCOMBUSTÍVEIS E OS IDIOTAS




OS PRIVILEGIADOS, OS BIOCOMBUSTÍVEIS E OS IDIOTAS

Parte I

Não há mais dúvida nenhuma de que a matriz energética mundial está em processo de transição. O objetivo é retirar do petróleo sua fundamental importância para a manutenção e ampliação do ciclo de desenvolvimento das grandes potências. Não porque sua importância não seja uma realidade hoje, mas porque um capricho da geologia terrestre tenha colocado grandes proporções do ouro negro sob o solo de países cujas lideranças tenham acabado por confundir oportunidade de crescimento e de desenvolvimento destes com oportunidade de expansão imperialista pessoal.

A reação seria mais do que uma simples suposição. Evidentemente não se espera que os biocombustíveis possam substituir completamente os derivados de petróleo, logo ali, depois de amanhã. Quando se diz que o mercado futuro do biodiesel é do tamanho do atual mercado de diesel, muitos acham isto um sonho, algo inatingível. Mas, o Brasil, por exemplo, já chegou a ter mais de 90% da sua frota de carros de passeio movida a álcool – tempo em que já havia, prontos, estudos tecnológicos e de viabilidade para adicionar até 40% de biodiesel ao diesel mineral. Nessa época, o Brasil tornou-se o maior exportador de gasolina para os EUA (por causa dos excedentes do processamento do petróleo para a obtenção de diesel). O Brasil, diga-se de passagem, foi o único país do mundo a desenvolver um programa tão completo de substituição do petróleo. Diga-se de passagem, também, estamos falando da época dos governos militares.

Anos luz à frente dos reles mortais, em termos de conhecimento a respeito do máximo que se possa de ter de controle sobre o futuro do mundo, em relação à economia, à política e ao comportamento social, os fechadíssimos grupos que controlam os destinos da História decidiram, pois, somente a partir dos últimos anos, desvincular o petróleo de suas propriedades “poderio-belicistas” e construir um ambiente mundial calculadamente favorável às transformações da matriz energética mundial.

O ambientalismo surgiu neste contexto e, por mais sabido que seja que, tanto o aquecimento quanto o resfriamento terrestre sejam parte dos ciclos evolutivos do planeta há bilhões de anos, não há como questionar o sucesso do empreendimento alarmista em torno de temas como aquecimento global, preservação florestal, etc., em termos de convencimento da sociedade a respeito do assunto e de ir boicotando o petróleo e os gases naturais como as principais fontes de energia. Sucesso absoluto.

Não haveria nada de mal nisso se não fosse por dois motivos: primeiro, se o ambientalismo fosse apenas o ambientalismo bem intencionado e não instrumento para criação de commodities; e, segundo, se, por trás de tudo isso, não estivessem a mesma ganância dos mesmos tipos de homens de sempre. Isso para não falar da relação deste tema com a ressurreição dos holofotes sobre a guerra fria – que, na verdade, nunca deixou de existir.
Existe um artigo (longo, porque o tema exija), escrito por Nilder Costa, que esclarece tudo sobre ambientalismo e que deveria ser tema obrigatório nos chamados programas educativos e de informação das redes de televisão e que também deveria ser de leitura obrigatória em todos os níveis de ensino, nas escolas e universidades do Brasil. Mas, assim como destruíram o Proálcool não espero que as autoridades brasileiras venham a fazê-lo. Sugiro que leiam, arquivem, imprimam, divulguem, etc.

Não tendo bola de cristal, nós, que estamos distantes dos processos de decisões que norteiam os destinos da humanidade, ficamos à mercê dos olhares e da capacidade de percepção dos que se dedicam a analisar passado e presente para tentar realizar prospecções sobre nosso futuro, dentro de um mínimo de lógica verossímil. Sem informações privilegiadas, a maioria dos mortais acaba sendo engolida pelo futuro consumado, sem dele poder usufruir, gozando dos lucros obtidos pelos que, muito antes, já sabiam como seria esse futuro. O que é informação para uns não passa de mera futurologia para outros.

Alguns poucos brasileiros – é claro, e não poderia ser diferente – estão entre os privilegiados bem informados. São brasileiros porque nasceram no Brasil. Ponto. Isso não tem nada a ver com brasilidade e muito menos com patriotismo. Para essa gente, o “mot” da modernidade e da globalização é mundializar o cidadão – que, naturalmente, é o idiota que pagará para poder viver, sustentando a riqueza e o poderio de seus algozes. Custo zero – lucratividade máxima. São os idiotas de plantão que vão fazer funcionar a máquina da nova matriz energética mundial – a dos biocombustíveis. Desenvolvimento, riqueza, ascensão social, talvez, mas na medida do possível e do necessário - não segundo as definições de cada um, é claro. Que isso fique bem claro. Ou seja, quem nunca vestiu um Armani deverá ficar muito feliz com imitações populares, com pão e com circo. E que lambam os beiços. Dai aos pobres o que é dos pobres e aos privilegiados o que é dos privilegiados.

No início de fevereiro deste ano, um painel internacional de cientistas convocado pela ONU advertiu o mundo de que o aquecimento global provocado pela queima de combustíveis fósseis e por incêndios florestais já seria irreversível nos próximos trinta anos, mas que os danos poderiam ser amenizados pelo uso de energias renováveis. O combustível limpo ganhou, assim, o status de commodity ecológica global – entra o ouro verde, sai o ouro negro. Tudo dentro da lógica estrategicamente traçada e prevista desde anos atrás. De onde se pensa que saiu a medida da obrigatoriedade de adicionar biocombustíveis a combustíveis derivados de fósseis, que é a mola mestra de todo o sistema de transformação do perfil energético mundial? De alguma alma bondosa preocupada com o ar que respiramos?

Essa obrigatoriedade, que já foi transformada em lei aqui no Brasil, estabelece a mistura de biodiesel ao diesel mineral, inicialmente com 2%, a partir de 2008, e, após 2013, com 5% do volume total. A União Européia também estabeleceu que o biodiesel terá que ser adicionado ao diesel na proporção de 5,75% até 2007. Os EUA estão em vias de fazer o mesmo, mas estão com problemas de padronização. A Índia também vai adotar uma mistura de 5% de etanol na gasolina. E por aí vai...
O Brasil tem potência e potencial nessa área. O risco que se corre é que a ganância sobre a potência destrua o potencial. Ou seja, que sob a desculpa da globalização acabe-se por exportar nosso know-how, colocando o país, mais uma vez, na posição de colônia-celeiro, fornecedora mundial de matéria prima, sem valor agregado, por mais um século de História. Como a geratriz do novo modelo energético está baseada em plantas (cana, soja, mamona, semente de algodão, pinhão manso e outros), que, teoricamente, com as modernas tecnologias podem ser cultivadas nos mais variados lugares do planeta, não há como ignorar que aqueles que investirem em tecnologia e que tiverem melhores condições para a comercialização (quanto a impostos, tarifações, câmbios, infra-estrutura para produção e para escoamento, etc.) serão os grandes beneficiados como um todo – com reflexos na melhoria de vida de todos seus cidadãos (e não se entenda, aqui, cinicamente, “melhoria”, como passar da condição de faminto a de semi-faminto).

Temos muitos exemplos disso no Brasil. Acontece, hoje, com muitas das riquezas minerais que exportamos e com produtos como a soja, que é exportada como grão e não já como óleo, que tem maior valor agregado. Portanto, concentrar-se em commodities é, sem dúvida, uma péssima opção para o país – o que não significa, entretanto, que seja uma péssima opção para alguns poucos privilegiados brasileiros e para alguns, nem tão poucos assim, estrangeiros. E é aí que mora o perigo – para nós, os mortais idiotas, é claro; não para todos.
Christina Fontenelle
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OS PRIVILEGIADOS, OS BIOCOMBUSTÍVEIS E OS IDIOTAS


Parte II



O Brasil, nos últimos 10 anos, tem despertado o interesse de investidores estrangeiros, dos mais variados tipos e nacionalidades - todos, entretanto, interessados no mesmo tipo de investimento: comprar e/ou arrendar terras. Terra para investir no negócio dos biocombustíveis e de gado – dois investimentos complementares em vários aspectos, inclusive como instrumentos bastante eficientes (em termos de custo-benefício) para lavagem de dinheiro. Os investidores brasileiros neste setor também são oriundos dos mais inimagináveis segmentos sociais: desde parlamentares, empreiteiros, publicitários, banqueiros, industriais a, vejam só, empresários que sempre viveram do agronegócio. Sem falar nos criminosos e nos terroristas.

As multinacionais também estão no negócio - estas, porém, já mais nitidamente interessadas no negócio de biocombustíveis. A bola de cristal delas é mais eficiente. Elas estão onde ninguém imagina, por que, embora muitos de seus negócios não sejam sigilosos, estão sempre por trás de investimentos aparentemente nacionais. Também estão por trás das parcerias público-privadas – o mais novo pseudônimo de internacionalização. A privatização não é um mal em si mesma – ao contrário, em muitos lugares e ocasiões demonstrou ser uma boa, mais rentável e melhor opção, até mesmo para os consumidores finais do que quer que ofereçam.

O problema está no modelo concentrador que acaba dando origem a imensos cartéis e nos cada vez mais conseqüentes engessamentos dos modelos econômico-sociais das sociedades dentro da aldeia global, em termos de mobilidade social e de aproveitamento do próprio homem como ser criativo, bem como também da divisão do papel produtivo que está sendo determinado a caber a cada uma destas sociedades na economia mundial. Ou seja, é a eternização, basicamente, do mapa mundial de desenvolvimento como está hoje, com melhorias aqui e ali, mas nada que modifique a estrutura estabelecida. Encha os macacos de banana porque macacos não precisam conhecer kiwi.

Até 2010, os estrangeiros terão investido no Brasil mais de US$ 480 milhões na produção e no beneficiamento de produtos agrícolas. Um exemplo dessa pujança é Querência (MT), município vizinho e inserido no Parque do Xingú, onde, em 2005, 10% da área cultivada com soja já estava nas mãos de americanos, de holandeses, de paraguaios e de russos, todos eles atraídos pelo baixo custo da terra e da mão-de-obra no Brasil. Mas, os brasileiros – especialmente os mais bem informados – também estão nessa corrida à compra de terras e de gado – inclusive em Querência. A evidência mais nítida foi a rápida mudança da paisagem no município, que tem sido palco de extensas derrubadas.

Foi lá que o maior sojicultor individual do mundo, Blairo Maggi (PR), atual governador do Mato Grosso, e um dos mais recentes amigos pessoais do presidente Lula, resolveu, há alguns anos, comprar 81,5 mil hectares de terra para instalar uma de suas fazendas - a Tanguro. Aias, o Grupo André Maggi, que pertence a Blairo Maggi, possui mais de 200 mil hectares de terra só em MT e MS. O Grupo acabou de fechar uma das maiores captações internacionais de empresa do agronegócio brasileiro, obtendo empréstimo sindicalizado com bancos internacionais no valor de US$ 230 milhões, que serão usados na aquisição de soja – EM GRÃOS - disponível no mercado, pelas próximas quatro safras, a começar pela de 2006/07.

Não é à toa que Querência tornou-se um dos pólos mais dinâmicos da sojicultura, não só no Mato Grosso, mas também no Brasil. Em 2003, a empresa multinacional Cargill também foi para lá, implantando novas unidades de armazenagem - uma em Querência e outra em Canarana - e anunciando, ainda, a construção de outra unidade na sede da fazenda Gabriela, no Alto Xingu. A Cargill Agricola S.A. e a Maubisa, de Maurílio Biagi Filho, também amigo pessoal do presidente Lula, compraram 63% da Central Energética Vale do Sapucaí Ltda (Cevasa), cujos 37% restantes pertencem a Canagrill.

A Cargill é uma multinacional que atua no mercado de alimentos e de produtos agrícolas, empregando 142 mil pessoas em 61 países. No Brasil, representada pela Cargill Agricola S.A., emprega 22 mil trabalhadores, em 180 cidades. Depois de produzir o etanol aqui, a Cargill o exporta, ainda na forma líquida, para sua subsidiária em El Salvador (América Central), onde é desidratado e reexportado para os EUA – onde a companhia se exime de pagar a sobretaxa cobrada em cima do etanol importado.

Os negócios da Maubisa, sob a direção de Maurílio Biagi Filho, não param por aí. O empresário americano Daniel Slane vai construir uma usina de álcool no Estado do Mato Grosso em sociedade com ele e com Eduardo Farias (do grupo Farias, que tem cinco usinas no país e produtoras de cana no Mato Grosso). Será o primeiro investimento do americano no Brasil. A indústria terá toda sua produção de álcool voltada para o mercado internacional. Nos EUA, o empresário atua no mercado imobiliário e também é sócio, com outros investidores locais, de três usinas de álcool, que produzem 100 milhões de galões de etanol por ano. Uma das usinas de Slane negocia contrato de entrega exclusiva de álcool para a companhia de petróleo Marathon.

Neste ano, os empresários Biagi e Farias também firmaram parceria na reativação da usina de álcool Alcoverde (ex-Alcobras), no Acre. A usina foi inaugurada no fim da década de 80, mas nunca entrou em operação. No ano passado, o governador do Estado do Acre, Jorge Viana (PT), procurou empresários paulistas e da região Nordeste para negociar sociedade na unidade desativada, em uma tentativa de estimular a economia local. A participação de Biagi na Alcoverde é de 10% e a do grupo Farias é de 60%. O governo do Estado do Acre ficará com 5% e pecuaristas e produtores da região com outros 25%. Ninguém dá ponto sem nó. Em janeiro de 2006, em Assis Brasil (Acre), foi inaugurada, pelos presidentes Lula e Alejandro Toledo, a ponte Brasil-Peru, sobre o rio Acre, que separava a fronteira entre os dois países naquela região – abrindo uma rota em direção ao oceano Pacífico. Em março deste ano, a capital do Acre, Rio Branco, já recebeu a visita do cônsul japonês Susumu Segawa e da vice-cônsul Reiko Nakamura, do Consulado Geral do Japão em Manaus, que mantém pequenos projetos de preservação do meio ambiente em toda a Amazônia.

Outro investidor é o empreiteiro Pelerson Penido, dono do grupo Serveng-Civilsan (com patrimônio de R$ 2 bilhões), que também formou, em Querência, há muitos anos, a fazenda Roncador - uma propriedade que é maior do que a cidade de São Paulo, com 697 quilômetros de estradas e 350 quilômetros de pequenos canais que percorrem toda a propriedade, levando água farta, em qualquer época do ano, aos mais de 95 mil animais, entre bois, vacas, novilhas e bezerros da raça nelore. Penido – famoso engenheiro brasileiro que participou, inclusive, da construção de Brasília – ergueu ainda, na propriedade, 100 barragens, asfaltou um aeroporto e fez hidrelétricas e pontes. O Serveng-Civilsan, cuja sede é em São Paulo, é um grupo que possui, entre outras coisas, empresas de ônibus (Pássaro Marrom e a Airport Bus Servise), concessionárias de veículos, pedreiras, empresas agrícolas, uma empreiteira (a Serveng-Civilsan), além da participação acionária na Companhia de Concessões Rodoviárias, que administra os pedágios de estradas como a Dutra e a Anhangüera-Bandeirantes.

Apesar de tudo isso, no início deste mês, o jornal Diário de Cuiabá publicou reportagem dizendo que o Ministério Público Estadual de MT ofereceu denúncia contra Pelerson Penido e mais quatro funcionários da Fazenda Roncador, por manterem trabalhadores em condições semelhantes às de escravidão e pelo crime de formação de quadrilha. É que, em 2004, cerca de 215 trabalhadores foram encontrados pela Polícia Federal em condições degradantes. Mantidos na Roncador desde 1998, eles eram trazidos, de ônibus, de outras regiões, com promessa de trabalho. Quando lá chegavam, além de serem informados de que já deviam o valor da passagem, eram obrigados a comprar mantimentos no armazém da propriedade – ao qual sempre acabavam o mês devendo, e, endividados, não conseguiam ir embora da fazenda.

O Estado de Mato Grosso é um dos mais citados em denúncias sobre trabalho escravo. Curiosamente, também está numa das regiões mais apreciadas por investidores brasileiros no agronegócio. Alguns deles são figuras nacionalmente conhecidas. Muitos são realmente proprietários, com terras e papéis que o provem, geralmente investidores nos negócios de gado, de soja, de álcool e de biodiesel. Outros só são proprietários no papel e alguns, ainda, embora o sejam na realidade, não o sejam justamente no papel.

Lá em Querência mesmo, perto da fazenda Roncador, há uma grande fazenda que se encaixa dentro de uma dessas descrições. Trata-se de uma área gigantesca onde são criadas muitas cabeças de gado. Um dos proprietários seria um jovem mega-instantâneo-super-empresário, desses que a gente descreveria como sendo um ”Ronaldinho” da área em que atua. Tudo gente poderosa – esse negócio de terra, de gado e de combustível verde não é coisa nem para gente pequena nem para pobre assentado não.

Mas não impede que gente que venha da indústria dos assentamentos dê sua mordidinha neste filão – que não se limita ao centro-oeste, é claro. Tanto é que, no último dia 14 de maio, o líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), José Rainha Júnior, reuniu 3 mil assentados da reforma agrária, em Mirante do Paranapanema, para lançar um projeto de biodiesel, baseado na cultura de pinhão-manso, no Pontal, oeste do Estado de São Paulo. Ele anunciou uma parceria inédita com empresas estrangeiras ligadas ao agronegócio para escoar a produção. João Cardoso, presidente da Torryana Biodiesel, de Portugal, e Palmiro Soriano, presidente de uma associação de produtores da Espanha, manifestaram interesse em participar da construção da fábrica, na qual Rainha quer que a Federação das Associações dos Assentados e Agricultores Familiares do Oeste Paulista detenha o controle de 60%. O plano teria o aval do presidente Lula.
Christina Fontenelle
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OS PRIVILEGIADOS, OS BIOCOMBUSTÍVEIS E OS IDIOTAS

Parte III

São bilhões e bilhões em investimentos, tudo voltado para a produção e/ou extração de matéria prima. Parece que nosso modelo de desenvolvimento e de inserção nesse processo de mudança da matriz energética mundial está se configurando como o de continuar a ser o de exportador de bens primários e/ou de bens intermediários. Melhorias aqui e ali, enriquecimento de uns e de outros, mas, desenvolvimento mesmo que é bom – daqueles que nos coloquem no primeiro mundo – nada!

A importância do Brasil (não dos brasileiros – que não se confunda) no novo cenário energético mundial poder ser medida, também, pela emblemática visita ao país de um dos maiores investidores do mundo, George Soros, que esteve aqui, no último mês de maio, para, entre outras coisas, participar do São Paulo Ethanol Summit, promovido pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA). A visita é recente, mas os investimentos nem tanto. Soros é um dos principais acionistas da Adecoagro - empresa produtora de alimentos e de energia renovável, que tem negócios no Brasil, na Argentina e no Uruguai.

A empresa está no Brasil desde 2004, quando adquiriu três fazendas nas regiões do oeste da Bahia e do sudeste de Tocantins. Em novembro de 2005, o grupo comprou a Usina Monte Alegre, em Minas Gerais, que, hoje, cultiva 14 mil hectares de cana-de-açúcar na região, processando 1 milhão de toneladas do produto e produzindo mais de 30 milhões de litros de álcool hidratado (etanol) e 80 mil toneladas de açúcar por ano. A Adecoagro pretende criar uma grande empresa de etanol em Mato Grosso do Sul, que contará com três usinas para a produção de energia renovável à base de cana-de-açúcar, numa área de 150 mil hectares, nos municípios de Angélica e Ivinhema.

Os chineses não estão de fora desse negócio. A China, que hoje já é um grande importador de algodão, será, em breve, o maior importador de álcool do mundo. O império oriental investirá no Brasil nos setores que possam assegurar-lhe um fornecimento confiável e regular de produtos estratégicos – enquanto não se apropriar da tecnologia, que é o que costuma fazer. Além da soja, a China está interessada na produção de cana e de matéria-prima para a sua gigantesca indústria têxtil. Em março deste ano, o grupo Farias (de Eduardo Farias, já citado acima), assinou um protocolo de intenções com uma companhia chinesa para implantar uma unidade de grande porte no Maranhão e no aumento da produção em usinas do grupo com vocação para a exportação, como a Usina Pedroza, em Pernambuco, e a Baía Formosa, no Rio Grande do Norte.

Um dos motivos para a escolha do Maranhão, estado que lançou, no ano passado, seu Programa Sucroalcooleiro, foram as condições de infra-estrutura do Porto de Itaqui, que possui umas das maiores profundidades de calado do Brasil. A idéia é embarcar toda a produção de etanol da unidade para o mercado chinês. O Porto do Itaqui vai receber serviços de recuperação dos berços 101 e 102 e ganhará um novo berço, o de número 100, em obras que vão abrir espaço para que novas cargas, e em maior quantidade, sejam movimentadas no porto. Os contratos e ordens de serviço para o início das obras, orçadas em R$ 185 milhões, já foram assinados, em 2006. As empresas vencedoras das concorrências foram a Serveng Civilsan, de Pelerson Soares Penido (já citado acima) e o consórcio formado pela Andrade Gutierrez e a Construtora Odebrecht. É dando que se recebe...

Outro império, a Índia, também se movimenta. Dois de seus mega-conglomerados - a Bajaj Hindusthan e a Reliance Industries - compraram terras no Brasil para plantar cana e produzir etanol, pois, como a Índia também vai adotar uma mistura de 5% de etanol na gasolina, não terá terras férteis suficientes para ampliar a produção interna de etanol na escala necessária.

O Noble Group, multinacional com sede em Hong Kong, que mantém 70 escritórios em 42 países, também decidiu reforçar os investimentos nos países da América Latina, para transformá-la em seu principal fornecedor global de matérias-primas. Este ano, só no Brasil, investiu US$ 18 milhões em cinco armazéns de grãos (Sorriso e Nova Maringá (MT) e Maringá, Japurá e Jussara (PR)), para elevar sua capacidade de estocagem em 180,5 mil toneladas. A Usina Petribu Paulista, que foi adquirida pelo grupo este ano, por US$ 70 milhões, deve gerar, também, créditos de carbono ao grupo, que possui, ainda, três esmagadoras de grãos na Índia, três na China, uma no Egito e uma na Turquia e mantém dez usinas de etanol nos EUA. Faturamento em 2006? Apenas cerca de US$ 16 bilhões.

Dono de imóveis, de indústrias e até de uma participação no clube italiano de futebol Juventus, o ditador líbio Muamar Kadafi é outro que se preparava, já em março de 2005, para realizar seu primeiro investimento no Brasil, num projeto de irrigação na Bahia, onde aplicaria cerca de US$ 450 milhões. A Libyan Arab Foreign Investiments (Lafico), estatal de investimentos do governo líbio, cultiva terras em 70 países e tem um portfólio diversificado de investimentos de cerca de US$ 10 bilhões em 100 empresas. A Lafico está negociando parceria com o grupo Odebrecht que, eventualmente, associado a uma terceira empresa, disputariam licitação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Paranaíba (Codevasf) para explorar a área.

A Codevasf é ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Como não tem os recursos necessários para investimento na área, pretende usar as Parcerias Público-Privadas (PPPs) para desenvolver a região. Parte dos recursos para investir viriam da própria Lafico e o restante deveria ser captado no mercado internacional. O interesse dos líbios nasceu desde a visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez à Líbia, no final de 2003. Por aqui, três projetos de irrigação na Bahia foram incluídos no PAC: Salitre, em Juazeiro; Estreito IV, nos municípios de Sebastião Laranjeiras e Urandi; e o maior deles - Baixio do Irecê (*) - em Xique-Xique, no noroeste baiano, que deverá ser viabilizado através de uma PPP.

O empreendimento vai demandar investimentos de mais de R$2 bilhões, incluindo a implantação de agroindústrias. Serão mais de 91 mil hectares irrigados, com potencial para produção de matéria prima para biocombustíveis, frutas e algodão. Em maio de 2004, Jaques Wagner, hoje governador da Bahia, mas então secretário especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), desembarcou em Trípoli para levar uma carta do presidente Lula a Kadafi, com o objetivo iniciar uma negociação entre o governo e os líbios para o estabelecimento de pólo sucroalcooleiro na região do Baixio do Irecê (BA).

O futuro concessionário vai construir, operar e gerir todo o projeto de irrigação, por 35 anos. Um consórcio, formado pela Codeverde – empresa liderada pelo Grupo Odebrecht e que tem também entre seus acionistas a Braskem – e a Lafico, foi quem realizou os estudos que serão analisados pelo Banco Mundial, que vai chancelar a modelagem e sugerir possíveis mudanças. Pelo modelo de PPP, a concessionária, após montar toda a infra-estrutura, vai arrendar lotes de terras a pequenos, médios e grandes produtores, e também operar o sistema de fornecimento de água. A produção será adquirida pelas indústrias de beneficiamento que serão implantadas nas áreas dos perímetros irrigados.
Christina Fontenelle
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(*)Irecê é uma cidade do sertão baiano conhecida como "capital mundial da mamona". Portanto, deveria ter sido um dos primeiros lugares para montar fábricas do projeto biodiesel - o xodó do governo Lula – já que a matéria-prima é o ganha-pão de mais de 30 mil famílias de pequenos agricultores há quase 60 anos. Mas, o governador da Bahia era Paulo Ganem Souto (antigo PLF, hoje DEM) e, por isso, os maiores especialistas de mamona no Brasil ficaram de fora do programa. A produção de Irecê já foi a maior do Brasil, atingindo uma área plantada de 250 mil hectares na década de 80. Em 2006, ficou em 40 mil hectares. pela força da propaganda do governo, em 2005, os produtores investiram na plantação de mamona. Afinal, o garoto-propaganda era ninguém menos do que presidente Lula. O Banco do Nordeste, órgão federal de fomento, enviou técnicos para estimular e promover o produto e a EBDA, empresa estadual de apoio ao agricultor, foi generosa no auxílio técnico. Em novembro de 2005, os agricultores, revoltados, queimaram a mamona em praça pública.

OS PRIVILEGIADOS, OS BIOCOMBUSTÍVEIS E OS IDIOTAS

Parte IV

Há duas semanas, o site Brasil Acima de Tudo dizia que já é motivo de especulação da revista Forbes o aumento patrimonial exuberante da família da Silva - terras a perder de vista, investimentos, valores no exterior, agronegócios, pecuária, indústria siderúrgica, Estação de TV e empreendimento imobiliário no ABC ajudam a compor a fortuna acumulada dos Da Silva. O site Alerta Total, na mesma ocasião, divulgava a informação de que o presidente Lula deveria se preocupar com investigações sobre as ligações da família Lula da Silva com os prósperos negócios da empresa Brasil Ecodiesel. O empresário Lulinha (Fábio Luiz da Silva) seria um dos alvos.

A Brasil Ecodiesel é a maior produtora de biodiesel do país, responsável por aproximadamente 60,7% da produção nacional acumulada, que é distribuída pela Petrobras, e opera em 22 estados do país, há cinco anos. A empresa foi fundada em julho 2003 por Daniel Birmann - empresário e banqueiro gaúcho, dono do grupo Arbi - para atuar na produção de biodiesel, no contexto do Programa Nacional de Biodiesel, transformado em lei, no mesmo mês, e que estabelecia a obrigatoriedade da mistura de biodiesel ao diesel mineral.

Acontece que o fundador e controlador da Ecodiesel, foi impedido pela Comissão de valores Mobiliários (CVM) de exercer cargos de administração em companhias abertas, por cinco anos (cabe recurso), devido a práticas irregulares, em operações na SAM Indústrias, do grupo Arbi. Birmann recebeu a maior multa individual da história da autarquia (R$ 243 milhões). Dessa forma, a Ecodiesel apresentou informações de que as ações antes detidas por Birmann foram vendidas ao fundo Zartmann Services (26,4%) e a Nelson José Cortês da Silveira (13%), sócio de Birmann na Enguia Power, da qual já foi presidente, de 2001 a 2004. O maior acionista da Ecodiesel, entretanto, é a Eco Green Solutions (com 47,7% das ações), holding controlada pelo fundo BT Global Investment Fund, com sede num paraíso fiscal, onde a legislação permite a confidencialidade dos nomes dos sócios. Quem será(ao) ele(s)?

Atualmente, Birmann (*), entre outras coisas, possui três empresas, todas com o nome de Enguia, que atuam no setor de geração de energia térmica no Nordeste (Piauí, Ceará e Bahia). Elas se tornaram viáveis graças à inclusão dos Estados como pilotos do programa federal Luz para Todos. Essas três empresas fecharam um contrato com a Ecodiesel que lhes permite exigir a disponibilização da capacidade de produção da empresa, até o limite de 40 mil metros cúbicos por ano, pelo prazo de quinze anos – volume que equivale à, praticamente, toda a sua capacidade produtiva atual. O contrato foi feito em dezembro de 2005, em troca do cancelamento da dívida de R$ 40,9 milhões da Ecodiesel com a Enguia. Com o governo do Piauí, a Brasil Ecodiesel fechou acordo para que parte da produção abastecesse a frota de veículos do Estado, ônibus urbanos e até o metrô de Teresina.


Em 2003, então, a Ecodiesel inaugurou, em Canto do Buriti, município distante 435 quilômetros de Teresina (PI), o Núcleo de Produção Comunitária Santa Clara - um projeto que previa o cultivo de mamona para produção de óleo e de biodiesel na região e o assentamento de famílias de trabalhadores rurais. Assentados e a empresa trabalhariam no sistema de "parceria rurais". A Ecodiesel instalou na Santa Clara 630 famílias, em 19 células de produção. Para cada uma delas foi cedido uma casa e um lote, dentro do qual 7,5 hectares deveriam ser usados para o plantio de mamona. As famílias vendem antecipadamente a mamona que produzem, recebendo por isso R$ 160 por mês - o preço do quilo é fixado pela empresa, que desconta da remuneração 30% do plantio, feito por seus técnicos. A lavoura e a colheita ficam a cargo dos colonos.

Lula esteve visitando a Santa Clara, em agosto de 2005, quando foi a Floriano, cidade próxima (a 260 km) para inaugurar uma usina de processamento de mamona - a primeira das seis que a Ecodiesel deveria instalar. A chegada da usina parecia marcar um novo tempo no Piauí, apesar do programa de incentivos fiscais para instalação de empresas no Estado, determinando que não se recolhesse ICMS, durante 12 anos, de empresas que se fixassem no interior. Desse modo, o município, que receberia 20% do imposto, fica sem nada.

No fim de 2006, o projeto-modelo da Brasil Ecodiesel dava sinais de crise, com a queda na produção, protesto de colonos e denúncias de abusos por parte da empresa, incluindo as de trabalho escravo e infantil. Sem comida, ameaçados de expulsão e presenciando a derrubada e queimada de dez mil hectares de Cerrado nativo, para produzir carvão, alguns trabalhadores já haviam ido à Teresina, em 2005, pedir ajuda, dizendo que a empresa, que pagava um salário de R$ 250 reais ao mês por família assentada, no início do projeto, depois, em 2006, baixara para R$ 150. O desmatamento acabou sendo confirmado pelo então Gerente Regional do Ibama, Romildo Mafra. A Procuradoria do Trabalho no Piauí abriu dois inquéritos para investigar denúncias sobre contratos de trabalho irregulares e sobre trabalho escravo e infantil.

A Brasil Ecodiesel negou as irregularidades, lemrando, ainda que na Santa Clara haveria uma escola funcionando em três turnos e que ofereceria, inclusive, ônibus para os alunos. Entretanto, políticos e técnicos da usina de Floriano calculam que o óleo de soja, na verdade, é que represente cerca de 70% do que chega para ser processado e que o de mamona dificilmente passa de 10%.

Apesar de problemas como esse, a Brasil Ecodiesel continuou ampliando seus projetos. Inaugurou mais duas fábricas – em Crateús (CE) e Iraquara (BA) – e, em maio deste ano, inaugurou a unidade Porto Nacional, em Tocantins - a quarta unidade. As outras fábricas são em Rosário do Sul (RS), Itaqui (MA) e Dourados (MS). A Ecodiesel pretende, ainda, implantar mais dois projetos de cultivo da mamona (carrapateira), uma fábrica de biodiesel e duas unidades de esmagamento em Pernambuco.

Parece que o interesse real na mamona é o "selo combustível social", sem o qual, por lei, as empresas não participam de leilões de biodiesel da Agência Nacional de Petróleo (ANP). O selo é fornecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e foi criado para incentivar o plantio em regime de agricultura familiar. A proporção varia de região para região: 30% da produção da agricultura familiar para a região Sul-Sudeste; 50% para as regiões Norte e Nordeste; e 9% para o Centro-Oeste. A Ecodiesel foi uma das primeiras produtoras da commodity a obter a certificação necessária para participar dos leilões, dos quais, dos quatro primeiros que já foram realizados, arrematou 487,9 milhões (53%) dos 915 milhões de litros negociados.

Embora, no prospecto de venda de ações, admita que possa não vir a cumprir as obrigações, já que sua capacidade de produção é de 45 milhões de litros/ano, a Ecodiesel derrubou as cotações no leilão, ao oferecer preços bem abaixo da concorrência. O conselho de administração da empresa teve grande influência na definição da estratégia. O presidente da Ecodiesel, Marco Antonio Moura de Castro, grande amigo de José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), contribuiu com muitas das idéias bem-sucedidas. O conselho também aprovou, recentemente, a compra de óleo de soja do grupo Maggi, de Blairo Maggi.

José Dirceu? Sim. O ex-ministro nega que seu atual negócio envolva tráfico de influência. Ele diz que faz consultorias empresarias, apesar de sua agenda registrar contatos empresariais e políticos e de sua experiência empresarial resumir-se à administração, nos anos 70, de uma alfaiataria e de uma loja de roupas masculinas de seu antigo sogro, a Magazine do Homem, na pequena cidade de Cruzeiro do Oeste, no Paraná, onde ele viveu na clandestinidade. Clientes atuais? Dentre os já revelados, encontram-se nada menos que o empresário Nelson Tanure, dono do Jornal do Brasil, a Odebrecht, gigante da construção civil, e o banqueiro Daniel Birmann, sobre o qual acabei de falar. Já na Telemar, o papel do consultor José Dirceu seria o de ajudar a empresa no projeto de fusão com a Brasil Telecom.

A sétima indústria de biodiesel da Ecodiesel será inaugurada, dentro de três meses, em Dourados (MS). Lá perto, em de Cruzeiro do Oeste, no Paraná, cidade cujo prefeito é Zeca Dirceu (filho do Zé Dirceu), a Prefeitura Municipal e a empresa articulam uma parceria para o plantio de espécies que serão utilizadas para a obtenção de óleo para o biodiesel, que será produzido em Dourados. A intenção é atingir o plantio, em regime de agricultura familiar, em cinco mil hectares no município. Os macacos terão suas bananas, os políticos seus votos (o que inclui poder e riqueza) e os empresários o seu rico dinheirinho.

O que isso tem de errado? Realmente não haveria nada de errado se o dinheirinho que estivesse sendo usado para toda essa gente se beneficiar fosse do bolsinho dos grandes empresários – fossem eles brasileiros ou estrangeiros. Mas, não é isso que está acontecendo. O dinheirinho que está sustentando toda essa rede de benevolências é o meu e o seu, caro leitor, que trabalhamos 5 meses por ano exclusivamente para sustentar o governo. Sabe quanto nós e o povão vamos lucrar com toda esta engrenagem agro-desenvolvimentista? Rigorosamente nada. Mas, os prejuízos, não tenham dúvidas, estes nós já estamos pagando por eles.


A Brasil Ecodiesel, por exemplo, fechou o primeiro trimestre com um prejuízo líquido de R$ 526 mil reais, apesar da receita bruta de R$ 61,130 milhões. O prejuízo é infinitamente menor do que o de R$ 33,223 milhões do último trimestre de 2006, que teve uma receita bruta de R$ 30,448 milhões. O resultado reflete o rápido crescimento da empresa, cujas vendas físicas, dos mais de 500 mil litros contratados, chegaram a 27.697 metros cúbicos de biodiesel. Os investimentos na parceira com pequenos produtores rurais alcança o número de 57.606 famílias. O mercado da companhia, atualmente, é o fornecimento de biodiesel para refinarias e distribuidoras, como a Petrobras e a Refap, empresa do sistema Petrobras.

Vamos fazer umas continhas rápidas. No início de 2006, os preços dos combustíveis e, conseqüentemente, das passagens de ônibus interurbanos aumentaram e foram causa do aumento do índice de inflação, segundo dados do IBGE. Portanto, quem anda de ônibus está incluído nessa conta. Se o leitor tiver um carro, quando o abastece, deixa cerca de 56% do que paga em impostos federais e estaduais. Como a Petrobras, que é uma empresa que trabalha com dinheiro público e de acionistas, é a maior distribuidora de combustíveis do país, ela lucra, tanto com quem anda de ônibus como com quem anda de carro.

Ou seja, todos nós brasileiros financiamos a empresa que tem contrato de exclusividade e de comprometimento para comprar toda a produção de biocombustíveis produzidos pelas empresas do agronegócio que possuem o selo combustível. Essas empresas têm uma série de benefícios fiscais que acabam por não representar retorno financeiro às cidades e aos Estados em que operam. E o leitor já deve ter percebido a estrondosa desproporcionalidade entre as atividades lucrativas destas empresas e o que é empenhado no que se classifica de beneficiamentos à agricultura familiar.

Sabemos que, atualmente, o biodiesel custa mais que o diesel mineral (que inclusive fica encarecido justamente por causa do biodiesel). Todo o incentivo ao programa do biodiesel, principalmente onde está atrelado à agricultura familiar, é subsidiado pelo governo. Dessa forma, e de muitas maneiras, numa cadeia sucessiva, eu e você, leitor, financiamos a “biocombustização” do país – com a qual ganham mega-empresários transnacionais e brasileiros e políticos. Não vou nem entrar no mérito, aqui, mas, só para lembrar, vou citar dois fatos: 1) Empreiteiras que trabalham para a Petrobras doaram R$ 2,5 milhões a petistas e 2) Em 2005, a Petrobras gasta dinheiro público e de acionistas em revista do MST.

Enfim, o perfil de inclusão social dos milhares de brasileiros pobres que vivem no campo pode ser bem retratado no discurso de Lula, durante a inauguração do assentamento de Campo do Buriti, em 04 de agosto de 2005; discurso esse que também reflete o norte que o governo pretende dar à nossa inserção no mega-projeto mundial de mudança da matriz energética:

Banana para macacos

“Nós temos que pensar o Brasil na sua dimensão de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, para que a gente perceba a diferença social, a diferença econômica, a diferença da qualidade de vida das pessoas, a diferença cultural, para que a gente possa levar para cada região um tipo de desenvolvimento que seja pertinente àquela região. Por isso é que nós estamos fazendo alguns investimentos no Nordeste, que são de muita valia”...

Nada comparado a dormir em lençóis de algodão egípcio – mas, pra quem é, ta bom
“quando a gente chega numa casinha simples, que a gente percebe que é uma casa de gente pobre, mas a gente percebe que tem um banheiro, que tem um chuveiro, que a dona-de-casa pode abrir uma torneira e ter água para beber, para lavar, para tomar banho, é uma coisa extraordinária”... “Então, quando eu chego num lugar como este, numa região historicamente pobre no estado de Sergipe, do Piauí, e eu encontro só essa visão que estou vendo aqui, umas casinhas lá em cima, depois eu olhei umas casas do outro lado, uma escola, um posto de saúde, um centro de atividade cultural... havia até computador para as crianças aprenderem computação”...

Alguns gostam de garrafas de vinho que custam mais de 200 mil reais e de cigarrilhas holandesas. Outros devem ficar satisfeitos com o que possam oferecer as bodegas

“E, para mim, gente, não tem coisa mais orgulhosa do que ver um pai de família trabalhar, no final do mês receber o seu salário e... pegar a sua mulher e os seus filhos, ir na bodega mais próxima e encher a casa de comida, para as crianças poderem ficar com a barriga cheia, terem saúde e, amanhã, serem trabalhadores”.

Já eu, e acho que também muitos brasileiros, queria mais. Queria que a agricultura se tornasse mais mecanizada, ao mesmo tempo em que os filhos dos agricultores de hoje tivessem a oportunidade de estudar e de crescer com independência, para pesquisar e investir em novos empreendimentos, em suas cidades, levando desenvolvimento, conforto e, logicamente, novas demandas. Queria que a indústria da imobilidade social fosse rompida pela instituição da meritocracia. Queria que as riquezas geradas pela indústria dos biocombustíveis retornassem à sociedade em forma de investimentos em educação e em segurança, já que, com essas duas coisas, uma sociedade sadia pode escolher seus caminhos, sem limites para o progresso de todos. Queria que o governo modificasse o conteúdo da frase da campanha de Lula à presidência de “deixa o homem trabalhar” para “deixem os brasileiros trabalhar”
Christina Fontenelle
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(*) Daniel Birmann, hoje, é um dos reis do negócio de biodiesel. Mas, seu grupo, o Arbi, chegou a ter mais de 20 empresas e a faturar US$ 2 bilhões por ano. Em 1995, as coisas ficaram difíceis para o mega-empresário, que teve que vender empresas, desfazer sociedades e pagar muitas dívidas – as duas últimas em 2001. Recuperado na praça, Birmann entrou no negócio de tratamento de lixo, com a Usinaverde S/A, empresa criada no mesmo ano e que tem uma usina piloto na Ilha do Fundão, dentro do campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A usina transforma lixo em energia – que usa, inclusive, para o próprio funcionamento - e aproveita material até para a fabricação de tijolos. Mas, “o pulo do gato” é o domínio de uma tecnologia de tratamento dos gases emitidos pela incineração do lixo – o que transforma todo o processo em limpo e auto-sustentável. O empreendimento é sensacional e pode dar lucro – muito lucro. Tanto é que a Petrobras Distribuidora (BR), juntamente com a Odebrecht, estão em negociações com a Usinaverde para a possível construção de uma primeira usina em escala industrial de 600 toneladas de lixo por dia e capacidade para geração de 12MW de energia.

Além deste negócio que estava nascendo em 2001, Birmann continuava com a CBC (fabricante de armas), a DF Vasconcelos (companhia de tecnologia hospitalar), a Arbi Empreendimentos Imobiliários, o banco Arbi (limitado a administrar recebíveis) e ações do BCP. Em 2003, o homem entrou no negócio de energia e de biocombustíveis. Se deu bem...

Thursday, June 14, 2007

PELA GLÓRIA DA MENTIRA


“O nosso amôr é uma realidade que veio sendo transformada – hoje atinge um nível nunca por mim sonhado, mas vamos continuar transformando. Sonho com êle numa fazenda coletiva – juro não ser ciumento e lutar junto contigo pela tua liberdade – e vou te amar mais intensamente, isto é possível, sinto que é. Nosso amôr não está isolado na realização de nós dois, nem nos milhares de filhos que teremos, êle nasceu e estará umbilicalmente ligado à Revolução e construção do Socialismo”.


As palavras acima foram escritas pelo próprio Carlos Lamarca, num diário que escreveu, durante seus últimos dias de vida, em fuga pelo sertão da Bahia. Na verdade, ele o escreveu para Iara Iavelberg, sua amante e companheira revolucionária.

Praticamente uma confissão assinada de que o ex-capitão do Exército lutava em nome da Revolução Socialista. Uma revolução que lutava sim contra os militares, mas não pela democracia e sim para se estabelecer no poder e fazer do Brasil um país comunista. Militares, aliás, que tomaram o poder, dando um contra-golpe no golpe contra o Estado Democrático Brasileiro que o senhor, então presidente da república, João Goulart, pretendia liderar no país, ajudado por várias organizações revolucionárias comunistas – todas elas financiadas, direta ou indiretamente, pela URSS.

A pergunta é: por que é que nós brasileiros temos que pagar indenização aos familiares de Lamarca por ele não ter se saído vitorioso em sua empreitada comunista?

O fato de este senhor ter sido considerado anistiado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), fez com que a sua viúva oficial, Maria Pavan Lamarca, viesse a receber uma indenização de R$ 100 mil, já que a Comissão entendeu que Lamarca teria morrido sob a responsabilidade do Estado, e uma pensão relativa a de capitão, posição que ele ocupava antes de desertar do Exército. Em 2003, o ministro do Supremo Tribunal Federal(STF), Celso de Mello, negou recurso da Advocacia Geral da União contra a promoção pós-morte do capitão ao posto de tenente-coronel do Exército. Ele disse, à época, que, na fase em que estava o processo, não era possível o exame de provas que esclarecessem a controvérsia sobre a expulsão de Lamarca do Exército. Maria Pavan Lamarca passou a receber, então, uma pensão relativa ao soldo de tenente-coronel.

Vamos aos fatos. Não há controvérsia nenhuma. Lamarca não foi expulso do Exército, ele desertou, por livre e espontânea vontade. Cometeu um crime. Aliás, ele deveria ter tido a hombridade de pedir baixa, já que não concordava com o posicionamento político e ideológico daquela instituição. Mas, o capitão preferiu continuar lá dentro, para fornecer armas e munições aos companheiros revolucionários comunistas. Quando decidiu partir definitivamente para a luta armada, furtou uma última e mais significativa quantidade de armas e de munições e, simplesmente, desertou.

Lamarca também não morreu sob a responsabilidade do Estado. O ex-capitão, que muito provavelmente jamais se renderia, morreu ao ar livre, no sertão da Bahia, após reagir, ao ser surpreendido por tropa militar que pretendia capturá-lo. Aliás, Lamarca já havia, ele mesmo, e também ao ar livre, mandado matar um refém militar indefeso e desarmado que estava sob sua custódia. Um homem de combate prefere morrer combatendo e foi assim que Lamarca morreu. Já ao seu refém, Lamarca não deu a mesma chance.

Como se já não bastasse esse primeiro erro. Agora, sob o argumento de que se tivesse continuado sua carreira militar, Lamarca teria se aposentado como coronel, e, como a legislação determina que os inativos recebam o valor referente a um posto acima na graduação militar, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu à viúva uma pensão relativa ao salário de general de brigada, que hoje corresponderia à R$ 12, 125 mil. E como se a cascata de aberrações de toda a espécie não fosse suficiente, Maria Pavan Lamarca e os filhos, César e Cláudia, também foram considerados anistiados.

A comissão entendeu que eles tiveram que sair do Brasil por causa da atuação de Lamarca contra o regime militar. O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, explicou que a indenização concedida à viúva e aos filhos de Lamarca foi dada porque "Eles foram perseguidos, monitorados pela área de informações de alguns órgãos, como o extinto Serviço Nacional de Informação (SNI)". E completou: “A decisão foi ponderada. Não houve critério subjetivo no julgamento, não demos nada além do que a lei prevê”, afirmou o presidente da comissão, que disse não acreditar em críticas ou reações por parte do Exército”.

Deve-se lembrar à Comissão que foi Lamarca quem decidiu – e de acordo com a imposição da Vanguarda Popular Revolucionária – que sua família deveria seguir para Cuba. Eles jamais foram perseguidos e nunca chegou a haver fato que justificasse essa decisão. A mulher e os filhos de Lamarca permaneceram em Cuba até 1979 – sabe-se lá vivendo de que, inclusive enquanto o ex-capitão estava vivo. Já Lamarca, que por aqui ficou, passou a poder circular ao lado de Iara Iavelberg e a se dedicar às causas da revolução comunista e à luta armada.

Deve-se lembrar, também, que a família de Lamarca estava em Cuba, aquela nossa vizinha que está sob a ditadura de Fidel há mais de 50 anos. E que, por lá, seria extremamente difícil e improvável que estivessem sendo monitorados por agentes de informação brasileiros.

Pela decisão, os três, esposa e dois filhos de Carlos Lamarca, receberão prestação mensal única no valor de R$ 100 mil, cada um, e também a diferença entre os salários de coronel e de general, com data retroativa a 1988, quando foi feito o primeiro pedido de anistia. A partir de agora, é preciso esperar um prazo de 30 dias - caso alguém queira entrar com recurso contra a decisão. Após este tempo, os processos seguem para o setor de finalização da Comissão. Em seguida, o ministro da Justiça, Tarso Genro, assina a portaria. Os recursos para o pagamento da pensão e dos ajustes retroativos partirão do Ministério da Defesa. A mulher e os dois filhos de Lamarca vão receber pelo Ministério do Planejamento.

Presente ao julgamento, a filha de Lamarca ficou emocionada com a decisão. “Este momento é valioso historicamente, para que excessos não sejam praticados, para que a Constituição seja respeitada, para que todos tenham o direito de opinar”, disse Cláudia.

Duas coisas esqueceu a senhora Cláudia: primeiro, o pai dela desrespeitou a Constituição e cometeu vários excessos – entre eles, matar 3 pessoas; segundo, muito poucos estão tendo o direito de opinar sobre as indenizações fartamente distribuídas entre ex-guerrilheiros e seus herdeiros, com as quais já foram gastos R$ 2,3 bilhões, sendo 24 pessoas receberam indenizações acima de R$ 3 milhões.

No final do julgamento, Cláudia chorou. Suas lágrimas foram vistas por todo o país, através das imagens transmitidas pelas emissoras de TV. Muitos brasileiros também choraram – não pelas mesmas razões, entretanto. Choraram de raiva, de impotência e de indignação.

Christina Fontenelle
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Abaixo, confiram uma pequena biografia do cidadão para cujos herdeiros todos nós brasileiros contribuiremos, com os impostos que pagamos, para indenizar.

Carlos Lamarca
Filho de um sapateiro e de uma dona-de-casa, Carlos Lamarca nasceu, em 1937, no Rio de Janeiro, onde viveu no morro de São Carlos, até os 17 anos, com os pais, os irmãos e uma irmã de criação - Maria Pavan. Em meados da década de 50, entusiasmou-se com a carreira militar e, depois de ser reprovado por duas vezes nos exames, finalmente, em 1955, ingressou como aluno na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre. Três anos depois, estava matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde, clandestinamente e fora dos limites da AMAN, participou de grupos de estudo do marxismo-leninismo, tornando-se um simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Ainda cadete, em 1958, Lamarca engravida a própria irmã de criação e os dois casam-se, secretamente (cadetes não podem ser casados), no ano seguinte, indo morar no Campo do Santana (Centro – RJ). No dia 5 de maio de 1960, nasce César Lamarca, primeiro filho do casal. Nesse mesmo ano, Lamarca sai Aspirante, classificado em 46º lugar numa turma de 57 cadetes, e vai servir em Osasco (SP), no 4º Regimento de Infantaria em Quitaúna. No livro “Iara Iavelberg: uma vida de engajamento político-cultural, de Hélio Daniel Cordeiro, há o relato de que Maria Pavan sofria de uma misteriosa doença nos rins que consumia todo o salário do marido. Entretanto, além de estar viva até hoje, ela engravidou no início de 1962, antes de Lamarca partir, já como Segundo Tenente, para o Oriente Médio, em missão junto às forças da ONU, na ocupação do canal de Suez, de onde só retornaria, no ano seguinte, já depois do nascimento da criança – Cláudia Lamarca – em outubro de 1962.

No contra-golpe de 31 de março de 1964, o Tenente Lamarca estava servindo na 6ª Cia PE, em Porto Alegre. Na época, ele já transitava com desenvoltura pelas esquerdas. Não foi por outro motivo que, na noite de um sábado de dezembro daquele ano, como oficial-de-dia, facilitou, deliberadamente, a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, que estava preso por subversão. Embora o inquérito aberto para apurar o caso não tenha chegado a conclusões definitivas, Lamarca foi movimentado, em dezembro de 1965, para o 4º RI, em Quitaúna (RJ) -seu antigo quartel. Lá reencontra velhos amigos, como o cabo José Mariane e o sargento Darcy Rodrigues, todos eles militantes de esquerda.

Carlos Lamarca é promovido a Capitão em agosto de 1967 - ano em que retoma os estudos sobre marxismo e em que a idéia de guerrilha se consolida em seus planos. Em dezembro de 1968, depois de estabelecer conversações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Lamarca, juntamente com o sargento Darcy, ingressa na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e, de imediato, cria uma célula clandestina da VPR dentro do quartel. Na época, Lamarca era o instrutor de tiro da Unidade, apesar de nunca ter conseguido, com revólver calibre .38, média maior do que 78 no tiro de precisão. O sargento Darcy desviava do quartel munição e granadas, falsificando documentos sobre o gasto nos treinamentos. Conseguiu desviar 2 mil tiros para municiar os 9 FAL que haviam sido roubados pela VPR, em 22 de junho de 1968, no assalto ao Hospital Geral de São Paulo, no Cambuci.

Convencidos de que a guerrilha no campo seria uma possibilidade concreta se conseguissem mais armas, Lamarca e Darcy (e Mariane, também da VPR) resolveram rouba-las do quartel. O planejamento da ação, marcada para os dias 25 e 26 de janeiro de 1969, foi intenso e meticuloso, prevista para ser realizada nos dias, inclusive com a especificação detalhada de quem deveria matar quem. Entretanto, a prisão de quatro militantes da VPR e a descoberta, em Itapecerica da Serra, do caminhão que estava sendo pintado com as cores do Exército, para fim de facilitar o roubo do armamento, determinaram a antecipação do assalto, que acabou acontecendo no dia 24 de janeiro. Naquele dia, Lamarca entra com sua própria Kombi no quartel e retira 63 fuzis FAL, três metralhadoras INA, uma pistola .45 e farta munição. Com 31 anos, Carlos Lamarca desertava do Exército e ingressava na clandestinidade.

Dali, dirigiu-se para a casa de Onofre Pinto, a fim de despedir-se de sua esposa, Maria Pavan, e do casal de filhos que, naquela mesma noite, embarcaram para Cuba, via Roma, junto com a família de Darcy Rodrigues. A esposa e os filhos de Lamarca viveram na Cuba de Fidel por quase 11 anos, de onde só retornaram, em 1979, depois da Anistia. Na verdade, o filho, César Lamarca viria a ser tenente do exército cubano.

Despachada a família, Lamarca passou a poder desfrutar livremente da companhia de sua amante Iara Iavelberg. Ao contrário do que se divulga, não foi em 1969,após a deserção de Lamarca, que os dois se encontraram. Na verdade, quando Iara ainda era uma adolescente, eles tiveram um encontro fugaz. Reencontraram-se nos primeiros meses de 1968, quando Iara dava aulas teóricas sobre Lênin e a teoria marxista para militantes da esquerda em Quitaúna e. Lamarca ensinava Carl von Clausewitz, o grande teórico dos conflitos bélicos que disse: "a guerra é a continuação da política por outros meios."

Ela nasceu em 1944, em uma abastada família de judeus paulistanos. Casou-se em 1960, aos 16 anos, com Samuel Halberkon, um médico da comunidade. Separou-se três anos depois e aderiu à militância política. Estudou psicologia na Universidade de São Paulo e virou professora. Era alta, loira, tinha os olhos claros, grandes, e um rosto com sardas. Vaidosa, cuidava muito bem do corpo, dos cabelos e das roupas, hábitos inusitados para a esquerda da época. Separada, passou a exercitar o amor livre e as relações fugazes – entre seus namorados, o então líder estudantil José Dirceu. Era o comportamento comum entre as elites em Paris, Ipanema e Jardins. Chamava-se revolução sexual e fazia parte do contexto de libertação da mulher.

Depois de um Congresso realizado em abril de 1969, numa cidade do litoral paulista, Lamarca foi eleito um dos cinco membros do Comando Nacional (CN) e a VPR reiniciou as ações armadas. A primeira delas foi na tarde de 09 de maio, quando Lamarca comandou o assalto simultâneo aos bancos Federal Itaú Sul-Americano e Mercantil de São Paulo, na Rua Piratininga, bairro da Mooca. Na operação, o gerente Norberto Draconetti foi esfaqueado e o guarda-civil Orlando Pinto Saraiva, que teria tentado reagir ao assalto, foi morto com dois tiros disparados por Lamarca - um na nuca e outro na testa.

A fama de Lamarca fez com que sua aparência física o transformasse num alvo fácil de ser reconhecido. Lamarca resolveu mudar. Em julho de 1969, trocou todos os dentes superiores e realizou uma operação plástica, na qual reduziu o nariz e suavizou os sulcos marcantes que tinha na testa e na face. A operação foi feita no Rio de Janeiro, de onde Lamarca viajou de volta para São Paulo, logo após tirar nova identidade.

No início de dezembro de 1969, a VPR adquiriu um sítio, distante 4 quilômetros da BR-116. A partir de janeiro de 1970, os militantes foram chegando para o treinamento. Já eram 18 guerrilheiros, quando, em 27 de fevereiro, Chizuo Ozawa, o "Mário Japa", que sabia a localização da área foi preso. Se falasse, estragaria tudo. Preocupado em libertá-lo, Lamarca seqüestrou, Em 11 de março, o Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, que acabou sendo trocado por "Mário Japa" e mais cinco presos. Mas, no início de abril, dezenas de dirigentes e de militantes da VPR foram presos e Lamarca decidiu desmobilizar a área, evacuando os militantes em três grupos. Entretanto, dois dias depois, quando somente 8 militantes já haviam fugido, chegaram as primeiras tropas da "Operação Registro".

No dia 8 de maio, noite do Dia das Mães, depois de mais de duas semanas de cerco, Lamarca e mais 6 militantes emboscaram cerca de 20 homens da Polícia Militar de São Paulo, chefiados pelo Tenente Alberto Mendes Júnior - que decidiu entregar-se como refém, desde que seus subordinados, feridos, pudessem receber auxílio médico.

Na noite seguinte, 2 guerrilheiros acabaram se extraviando do grupo. Sem saber disso e não tendo os dois reaparecido, depois de andarem um dia e meio, Lamarca acusou o Ten Mendes de tê-los traído e de ter causado a morte dos dois companheiros. Um "tribunal revolucionário", condenou o Tenente à morte. Um dos terroristas, Yoshitane Fujimore, com a coronha do fuzil, desferiu violentos golpes na cabeça do Tenente que, caído e com a base do crânio partida, gemia e se contorcia de dor. Outro terrorista, Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe mais golpes na cabeça, esfacelando-a. Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Ten Mendes foi enterrado. Lamarca responsabilizou-se pelo assassinato. Em 08 de setembro, o terrorista Ariston Oliveira Lucena foi preso e apontou o local onde o Tenente Mendes estava enterrado, relatando o ocorrido. As fotografias tiradas atestaram o horrendo crime cometido. A mãe do Tenente entrou em estado de choque e ficou paralítica por quase três anos. Quando o crime foi descoberto e divulgado, a VPR emitiu o seguinte comunicado "Ao Povo Brasileiro": "A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O Tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado."

Em meados de junho, Lamarca, em reunião com Joaquim Câmara Ferreira ("Toledo"), da ALN, e Devanir José de Carvalho ("Henrique"), do MRT, estabeleceu a lista dos 40 prisioneiros que seriam trocados pelo Embaixador alemão, seqüestrado em 11 de junho de 1970. No início de outubro, o casal Lamarca e Iara foi descansar, durante dois meses, numa casa alugada em Rio D'Ouro, pequeno lugarejo perto de Teresópolis (RJ).

Ali, Lamarca pôde escrever vários documentos teóricos de orientação à VPR e, à revelia da "frente" composta com a ALN, o PCBR, o MR-8 e o MRT, decidiu executar o seqüestro do Embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. Então, na manhã de 07 de dezembro de 1970, numa rua estreita e de mão única, que ligava o bairro de Laranjeiras ao Flamengo, depois de bloquear o carro do Embaixador, Lamarca bateu no vidro da janela onde estava o segurança Hélio Carvalho de Araújo, um Agente da Polícia Federal, abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver "Smith & Wesson" calibre .38, cano longo, a uma distância de um metro: o 1º tiro atingiu o teto do carro e o 2º as costas do Agente que viria a falecer três dias depois, no Hospital Miguel Couto.

O Embaixador passou 40 dias no cativeiro, até que, em 13 de janeiro de 1971, 70 presos, escoltados por 3 agentes da Polícia Federal, decolavam do Galeão num Boeing da Varig, com destino a Santiago do Chile.

Em 22 de março de 1971, Lamarca, através do documento "Ao Comando da VPR", apresentou o seu "pedido de desligamento em caráter irrevogável", e, pouco depois já estava no MR-8. Ele e Iara passaram os meses de abril, maio e junho escondendo-se de "aparelho" em "aparelho", até que foram para o sertão da Bahia, onde se separaram, definitivamente – Iara foi para Salvador e Lamarca para Itaberaba e Ibotirama. Jamais se veriam novamente. Iara Iavelberg foi encontrada a 20 de agosto, em um apartamento da Pituba, Salvador. Segundo os militares, quando se viu cercada, conseguiu escapar para o apartamento vizinho e trancou-se no banheiro. A versão oficial é a de que Iara teria dado um tiro no próprio peito, aos 27 anos, enquanto um soldado tentava arrombar a porta do banheiro. Sua família, contudo, levanta a hipótese de ela ter sido executada.

Lamarca deixou um diário como legado, redigido durante seu exílio na caatinga baiana. São 39 trechos, redigidos entre 8 de julho e 16 de agosto de 1971 (um por dia), endereçados a Iara. O diário jamais chegou à destinatária. Foi entregue pelo capitão ao militante João Lopes Salgado, codinome “Fio”, e depois foi repassado ao militante César Queiroz Benjamim, o “Menininho”, na época com 17 anos. Em 21 de agosto, Benjamim estava num carro, entre as praias de Ipanema e Leblon, quando foi abordado por uma blitz da PM. Acabou escapando durante a revista. Mas, no carro, ficaram os companheiros, uma maleta com roupas, uma arma e um envelope lacrado - o diário de Lamarca estava dentro deste envelope.

Quando soube da morte de Iara, dias depois, Lamarca teria perdido a vontade de prosseguir na luta. Foi encontrado em 17 de setembro por uma patrulha comandada pelo major Nilton Cerqueira. O ex-capitão estava desanimado, fraco, desnutrido e doente. Os dois militantes, que descansavam à sombra de uma árvore, perto do arruado de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos, à voz de prisão, tentaram sacar de suas armas. Uma série de tiros pôs fim a Lamarca, aos 33 anos, e a José Campos Barreto. O major e o ex-capitão ainda chegaram a manter um rápido diálogo.

Cerqueira indagou pelo nome: “Capitão Carlos Lamarca!”, identificou-se. A seguir perguntou onde estariam sua mulher e filhos: “Em Cuba”, respondeu. A última das perguntas: “Você sabe que é um traidor do Exército brasileiro?” Lamarca não respondeu, segundo Cerqueira. De acordo com um militar que acompanhou os acontecimentos, a desfeita de Lamarca teria sido pior. Balançou os ombros e braços, no gesto de quem quer dizer “e daí?”, e tentou se levantar dando as costas à patrulha. Terminou fuzilado no chãopelo major Cerqueira. Segundo a autópsia, no estômago e nos intestinos do capitão Lamarca só havia capim. Da aventura, só restaram as mensagens jamais entregues à musa inspiradora.

Sunday, June 03, 2007

NEUTRALIDADE, OMISSÃO E CUMPLICIDADE

Christina Fontenelle
04/06/2007
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Alegando respeito à soberania, o Palácio do Planalto decidiu não se manifestar oficialmente sobre o fechamento da Rádio Caracas de Televisão (RCTV). Em Londres, o presidente Lula disse, nesta sexta-feira, que ele tem que cuidar do Brasil, o presidente Hugo Chavez da Venezuela e o presidente Bush dos Estados Unidos. Simples assim - mesmo correndo o risco de parecer estar agindo como quando “quem cala consente”.

Hugo Chavez, é claro, elogiou o posicionamento do presidente brasileiro, mas criticou o do nosso Senado, em resposta ao requerimento aprovado naquela casa que pedia para que o presidente venezuelano devolvesse a concessão de rádio e TV à RCTV. O texto foi do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e teve aprovação de alguns senadores do PT. Chavez disse que isso se deu porque, “no Congresso do Brasil, lamentavelmente, dominam os partidos de direita” e que “o Congresso brasileiro age como um papagaio, reproduzindo o que diz o Congresso dos Estados Unidos”. Complementando, Chavez disse ainda que seria mais fácil a Coroa Portuguesa se reinstalar no comando do Brasil do que ele voltar atrás na decisão que tomou de não renovar a concessão da RCTV. As declarações foram feitas em cadeia nacional venezuelana de televisão, durante assinatura de acordos com uma delegação do Vietnã que estava na Venezuela. Chavez também fez críticas aos Senados chileno e americano e ao Parlamento Europeu por resoluções contrárias a não renovação da tal concessão.

Hugo Chavez é uma pessoa bem informada. Por isso, presume-se que tenha proferido tamanhas inverdades deliberadamente. Primeiro porque o presidente venezuelano deve estar exausto (pois cansado seria pouco) de saber que no Brasil não há no Congresso praticamente nenhum representante de direita, quiçá de partidos de direita. Ideologicamente falando, a representatividade de direita em nosso país quase que inexiste, e, quando existe, não tem nenhum espaço na mídia e muito menos nas grandes decisões do Congresso. Com certeza, e isso não é de se estranhar, Chavez chama de “direita” a tudo e a todos que com ele não concordem.

Em segundo lugar, o nosso Congresso está bem longe de ser uma imitação da casa republicana norte-americana – não só no que professa, mas também no que faz. Sem comentários. Na última afirmação, entretanto, o presidente da Venezuela só cometeu um pequeno erro, no final da mesma, já que realmente seria mais fácil a Coroa Portuguesa reinstalar-se no comando do Brasil, mas não do que ele voltar atrás em sua decisão sobre a RCTV, e sim do que ele se tornar um democrata. De qualquer forma, mesmo sem querer, foi isso que ele disse, só que com outras palavras. Atos falhos acontecem.

Recentemente, durante a reunião de chanceleres do Mercosul, o Brasil não aceitou assinar, no documento final desse encontro, uma moção apresentada por Chavez contra a emissora RCTV no âmbito do Mercosul. No entanto, no governo brasileiro, o Itamaraty, através do assessor do presidente Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, por exemplo, justifica a decisão do governo Chavez sob a alegação de que a RCTV teria apoiado o golpe que derrubou o presidente venezuelano, em 2002, além de ter colaborado para desestabilizar as instituições locais da Venezuela.

Mas, em 2002, na época do tal golpe contra Chavez, Lula não manteve a mesma postura de “neutralidade” que hoje adota no caso da RCTV. Embora, na época, ainda não fosse presidente da república, condenou publicamente o golpe contra o presidente da Venezuela. O mesmo Congresso, que hoje pede que o presidente venezuelano reconsidere o fechamento da RCTV, foi o que o apoiou, também em declaração pública, contra o golpe de Estado. Vale lembrar, também que, no início de 2004, o Brasil articulou um grupo de países que ajudou a resolver a crise entre governo e oposição venezuelanas.

A direção nacional do PT, partido político do presidente Lula, e o PSOL de Heloísa Helena assinaram um manifesto de apoio à paralisação das emissões da RCTV. O documento foi entregue, no último domingo, à Embaixada da Venezuela, em Brasília, que divulgou nota dizendo que outras sete organizações também manifestaram apoio a Hugo Chavez, entre elas, o Movimento dos Sem-Terra (MST), o Movimento dos Pastores Negros do Brasil, o Círculo Bolivariano de Brasília e a Central de Movimentos Populares do Brasil.

Não se intrometer nos assuntos internos de outros países tem sido basicamente a justificativa do presidente Lula para não se manifestar nem contra nem a favor da atitude de Chavez em relação à RCTV. Vamos ver se a neutralidade suíça de Lula tem sido uma constante no exercício de seus dois mandatos presidenciais.

Há um ano, mais ou menos, no auge dos conflitos entre libaneses e israelenses, no sul do Líbano, o presidente brasileiro condenou o uso indiscriminado da força por Israel e manifestou seu apoio à proposta de cessar-fogo imediato na região, em mensagem dirigida ao primeiro-ministro da Itália, Romano Prodi, que seria o anfitrião do encontro do Conselho de Segurança das Nações Unidas em Roma.

Em 2004, uma reportagem da revista Veja (14/01 - Olho por olho, dedo por dedo, de Monica Weinberg) falava que guerrilheiros da Colômbia e do Peru estavam encontrando terreno propício no Brasil para realizar negócios e treinamentos. Grupos de elite das Forças Armadas da Colômbia (FARC) estariam aqui para fazer operações de lavagem de dinheiro, de proteção armada ao narcotráfico, de compra de armas, de preparação de operações logísticas e de estabelecimento de linhas de suprimentos. Quando Ricardo Palmera (Simón Trinidad), membro da cúpula da guerrilha das FARC, foi preso em Quito (Equador), por exemplo, comprovou-se que ele estivera diversas vezes no Brasil – numa delas, para participar de uma cúpula secreta das FARC, em Manaus (AM).

Segundo fontes militares citadas na mesma reportagem, guerrilheiros do grupo peruano Sendero Luminoso também estariam realizando operações para obter financiamento para a revolução (proteção ao narcotráfico, contrabando de madeiras nobres brasileiras e de armas para o crime organizado). Estas mesmas fontes disseram, à época, que já teria havido, inclusive, choques entre as forças brasileiras e estes guerrilheiros.

Tanto num caso como no outro, sabe-se que o governo de Lula recusa-se em qualificar grupos como as FARC de terroristas, o que acaba permitindo que elas continuem a operar no Brasil; pois, se fossem considerados como tal, o Brasil seria obrigado a bloquear os bens destas organizações mantidos no país e a autorizar a captura dos seus membros em território nacional. De modo que essa não é uma atitude de neutralidade e sim de partidarismo - no caso, evidentemente, a favor dos revolucionários.

É sempre bom lembrar, também, que o presidente argentino Néstor Kirchner teve apoio explícito de Lula na eleição de 2003. Ainda hoje, ele agradece o respaldo que recebeu do governo brasileiro quando declarou a moratória da dívida externa e enfrentou uma crise com os organismos financeiros internacionais. Em 2004, no Uruguai, Tabaré Vázquez, em campanha vitoriosa à presidência, usou e abusou da imagem do “Lula uruguaio” e teve aval do assessor, Marco Aurélio Garcia. Na Bolívia, desde que entrara na disputa pela presidência, o líder indígena Evo Morales, quando caía nas pesquisas, vinha a Brasília – ele acabou venceu a eleição presidencial em primeiro turno. Ou seja, Lula se mete, sim, em assuntos de outros países – quando isso lhe convém.

Mais outro exemplo. No final de 2003, Lula fez uma polêmica visita a cinco países do Oriente Médio - diversos deles sob governos ditatoriais e até suspeitos de apoiar o terrorismo internacional. A Arábia Saudita, que seria a maior parceira do Brasil na região, não esteve no roteiro. A viagem, para a qual a diplomacia brasileira alegou serem as relações comerciais o objetivo principal, foi considerada pelos auxiliares do presidente como de “uma política arrojada” e de uma “alternativa” à agenda dos Estados Unidos. Na época, não foram nem uma nem duas as notícias divulgadas na imprensa de que a viagem não trouxera nenhum ganho comercial para o Brasil e de que não tivera nenhum reflexo positivo para nossa economia. Ao contrário, foram muitas as críticas sobre as evidências do caráter eminentemente político do empreendimento. Entre estas evidências pode-se citar a declaração do então deputado João Hermann (Partido Popular Socialista - PPS), que fazia parte da comitiva de Lula: “Estamos colocando um pé aqui para desequilibrar a correlação de forças nesta região”.

Lula iniciou a tal viagem pela Síria, que, havia anos, estava na lista dos países que patrocinavam o terrorismo e que era acusada de violar os acordos de não-proliferação de armas químicas e biológicas e de mísseis de longo alcance. Na época, inclusive, a Síria permitira que grupos de guerrilheiros árabes passassem para o Iraque, para atacar tropas americanas. Bem, junto com o presidente sírio Bashar al Assad, Lula divulgou um comunicado no qual ambos pediam o fim da ocupação do Iraque e a devolução à Síria, por parte de Israel, das Colinas do Golã. Não foi só isso. Lula defendeu firmemente a criação de um Estado palestino.

À época, Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, descreveu o fato da seguinte maneira: “Parece, sinceramente, uma provocação desnecessária. (...) Ou, ainda, pura `macheza diplomática´. `Macheza´ que faltou, por exemplo, quando Lula entrou mudo e saiu calado de Cuba, frustrando os que esperavam que condenasse as execuções políticas de Fidel Castro” (5/12/2003). Em respeito à inteligência dos leitores, não cabe, aqui, nenhum comentário sobre os baluartes da neutralidade invocados, hoje em dia, pelo Sr. Luiz Inácio da Silva.

Nessa mesma viagem, já em Beirute (Líbano), Lula criticou a forma como os países ricos protegiam suas economias e afirmou que estava na hora de mudar a geografia comercial do mundo. Para isso, segundo o presidente, a América do Sul deveria começar a olhar para o mundo árabe. Nos Emirados Árabes, Lula defendeu uma política externa agressiva que se contrapusesse aos Estados Unidos, para aumentar a influência de novos blocos regionais no mercado externo. No Egito, durante um almoço para os representantes de 22 países da Liga dos Estados Árabes, Lula, causando surpresa até mesmo aos diplomatas e aos membros da comitiva brasileira, fez novas críticas a Bush e à guerra no Iraque.

Ainda no Egito, o presidente Lula reuniu-se durante quase uma hora com o líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Nabil Shaath, que lhe entregou uma carta assinada por Yasser Arafat, pedindo ao governo brasileiro que prosseguisse no apoio à causa palestina, principalmente no momento em que o Brasil assumia uma vaga não-permanente no Conselho de Segurança da ONU. Lula não visitou Israel. Não precisaria dizer mais muita coisa. Para quem sabe ler, o pingo do “i” é letra. Mas, mesmo assim, desafiando a capacidade intelectual de quem pudesse ouvir, a diplomacia do governo brasileiro continuou a afirmar que se mantinha “eqüidistante” no conflito Israelo-Palestino.

Seguindo viagem, agora já na Líbia, o presidente brasileiro foi recebido de forma calorosa. Na tenda do presidente líbio, Lula tomou a iniciativa de dar um fraternal e efusivo aperto de mãos em Anuar Kadafi. Justificou: “Hoje, como presidente do Brasil, jamais esqueci os que eram meus amigos quando ainda não era presidente da República”. Durante a recepção, Lula encontrou-se ainda com dois outros líderes de esquerda, Daniel Ortega (líder da revolução sandinista) e Ahmed Ben Bella (líder argelino). Pois é, numa das vezes em que esteve na Líbia, em 1992, quando já presidia o PT, Lula reuniu-se com Kadafi, Ortega, Ben Bella e Yasser Arafat – de quem Lula é conhecido de longa data e com quem manteve encontros, diversas vezes, no passado.

Mas, a neutralidade de Lula sempre vem à tona em situações convenientes. As reações do governo brasileiro quando da prisão de Saddam Hussein, por exemplo, foram, digamos, sintomáticas. Lula não fez comentários e não emitiu nota oficial a respeito – desta vez, apelou para a neutralidade suíça. O Itamaraty, por sua vez, apenas constatou que a prisão representava “um ponto de inflexão na situação iraquiana”, o que, segundo comunicado oficial, contribuiria “para acelerar o processo de transição ao auto-governo (sic) pelo povo iraquiano”. Mas, o assessor Marco Aurélio Garcia disse o seguinte sobre o episódio: “Eu acho que a prisão vai acelerar o processo de paz no Iraque, é o fim do símbolo da resistência. A cabeça foi decapitada”. Três dias após a prisão de Saddam, Bush telefonou para o presidente Lula, que não teria tido como não fazer menção à prisão de Saddam, mas, mantendo conveniente neutralidade, apenas teria dito que a mesma era importante para uma nova fase de transição democrática no Iraque.

Já mais recentemente, em programa radiofônico, veiculado em 12 de fevereiro de 2007, Lula condenou a administração George Bush por se recusar a assinar o Protocolo de Quioto: ''O Brasil tem autoridade moral e política para exigir que os países ricos, em vez de ficarem produzindo protocolos que depois não assinam, cumpram com a sua obrigação de despoluir o planeta. Nós faremos a nossa parte, agora, é preciso que eles façam a deles'', disse Lula. Querendo ou não, o presidente brasileiro intromete-se em assunto interno dos EUA, embora a questão seja de interesse internacional. Apenas devo ressaltar que a liberdade de imprensa também é uma questão de interesse internacional e novamente não precisarei ofender a inteligência dos leitores explicando o que quero dizer com isso.


Bem, quando alguém decide não se meter na discussão entre uma mãe e uma filha, por exemplo, mesmo que em local público, pode-se dizer que esteja sabiamente mantendo-se em posição de neutralidade. Já, quando uma pessoa assiste a um jovem forte e musculoso espancar uma franzina senhora idosa e nem ao menos procura chamar quem possa resolver a situação – a polícia, talvez, se for o caso – ela estará sendo omissa. Mas, se esta mesma pessoa tiver agido com omissão por ser amiga do jovem espancador (e não por simples medo ou indiferença – o que já seria tristemente grave), então ela passaria de omissa à cúmplice. Portanto, nem sempre quem decide não se intrometer numa situação que lhe seja aparentemente alheia está agindo com neutralidade em relação à mesma – às vezes, não fazer nada quer dizer tudo e faz toda a diferença.

Friday, June 01, 2007

CRISTANDADE NÃO É RELIGIÃO

Christina Fontenelle
01/06/2007
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Que a vontade da maioria seja respeitada apenas no que convier - na hora dos votos, por exemplo, desde que, é claro, se eleja quem, ou que se vote pelo que, as minorias achem mais apropriado. Essa é a cultura dos “dois pesos e duas medidas” que certos grupos – poderosos, diga-se de passagem – vêm tentando impor em nome da defesa dos direitos das minorias. Para que estes direitos sejam respeitados, que se punam as maiorias – com proibições e com punições legalmente instituídas. É assim que o argumento da laicidade do Estado vem sendo usado para imprimir às sociedades nada menos do que a perseguição religiosa, especialmente aos cristãos.

Chama-se de laico o Estado que não adota uma religião como religião oficial. Mas, assim como o princípio sadio da laicidade pressupõe a não-dependência do Estado em relação a qualquer crença, igreja ou comunidade religiosa, pressupõe também a não-intervenção em assuntos estritamente religiosos, de competência exclusiva destas mesmas igrejas e comunidades religiosas. O princípio de laicidade, portanto, trás em si, em primeiro lugar, o respeito a todas as confissões religiosas por parte do Estado, que deve permitir o livre exercício das atividades religiosas dos crentes, sem outros limites que não os da ordem pública.

Pois bem, alegando ser com o intuito de restaurar a igualdade de direitos entre os cidadãos, independentemente de seus credos, e argumentando ser descumprimento à Constituição Federal (artigo 19), quanto à separação entre Estado e Religião, a Ong BRASIL para TODOS iniciou uma campanha, encaminhando representações ao Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para a retirada de símbolos religiosos de tribunais, de plenários de câmaras municipais, de prefeituras, de repartições públicas, de escolas, universidades e hospitais públicos, alegando que a presença de tais símbolos põe em xeque a neutralidade religiosa do Estado, ferindo o princípio da igualdade entre os cidadãos e trazendo a discriminação.

Além de contar com o apoio de monges budistas, de pastores evangélicos, de artistas e de organizações como o Grupo Gay da Bahia e as Católicas pelo Direito de Decidir, a BRASIL para TODOS conclama os brasileiros que saibam da presença de símbolos religiosos em alguma repartição pública a entrar, se desejarem, com representações no MP. A iniciativa é nova, mas o desejo de retirar símbolos religiosos do ambiente público não. Em 2005, por exemplo, o juiz Roberto Arriada Lorea, do Rio Grande do Sul, tentou remover os crucifixos dos tribunais – não foi bem sucedido. Mas, em 2006, o Hospital Universitário da USP teve que retirar um crucifixo da recepção, a pedido do MP, que agiu ao ser acionado por um cidadão.

Para o organizador da Ong, e autor de algumas das ações, Daniel Sottomaior, a iniciativa tem o objetivo simples de fazer cumprir a Constituição Federal. Ele nega que haja incômodo no fato haver crucifixos ocupando paredes de fóruns, hospitais e outras repartições, mas que o estado laico e a neutralidade é que norteiam a inédita campanha no Brasil. A proposta seria criar precedentes para interpretações jurídicas futuras.

Os conselheiros do CNJ, responsável por fazer o controle externo das atividades dos magistrados, ao analisarem uma destas representações da Ong, quase que por unanimidade, emitiram parecer favorável à manutenção dos crucifixos, alegando que estão presentes nos recintos do Judiciário há tanto tempo que não representam mais uma religião específica e, sim, que teriam se tornado tradição, além de um dos símbolos culturais brasileiros. Mas, o relator da matéria, Paulo Lôbo, alegando ainda ter muitas dúvidas em relação ao tema, sugeriu a realização de uma consulta pública pela internet, para que os conselheiros tivessem acesso às opiniões de diversas entidades, antes que elaborassem seus votos. Como a proposta foi recusada, ele pediu vista, de modo que a decisão dos conselheiros ainda não é oficial.

Em quase todos os tribunais superiores, está fixado à parede um crucifixo, normalmente, bem no centro do ambiente, sobre o assento reservado ao presidente do tribunal. O mesmo ocorre na no Supremo Tribunal Federal (STF), a instância máxima do Judiciário, no gabinete do presidente da República, no plenário do Senado e nas assembléias legislativas nos Estados. Segundo a reclamação feita pela Ong, o “adorno” representaria a “utilização de patrimônio estatal para divulgar crenças religiosas”, além de ser uma forma de privilegiar o catolicismo em detrimento de outras religiões.

Aparentemente trivial, o tema já foi motivo de polêmica em outros países. Em junho de 2005, por exemplo, a Suprema Corte dos EUA proibiu a exibição do texto dos Dez Mandamentos nas paredes de dois tribunais de Kentucky. Alegava-se que era um símbolo religioso incompatível com o caráter laico do Estado. Por essa mesma razão, na França, meninas muçulmanas foram proibidas de usar o véu tradicional islâmico e, na Alemanha, propôs-se proibir as freiras de usar o hábito nas escolas e nas repartições públicas. Não ficaria proibido, porém, em nenhum desses casos, que as alunas fossem à escola, se assim o quisessem, em roupas sumaríssimas, ou com símbolos ostensivos de diversas superstições esotéricas, por exemplo.

Os partidários do laicismo consideram que toda organização religiosa limita a liberdade de expressão. Para eles, o problema fundamental da intromissão da religião no Estado Democrático de Direito é que ela sempre abrigaria o germe do fundamentalismo, da intolerância. Embora reconheçam que algumas correntes religiosas sejam bastante tolerantes, afirmam que outras, no entanto, tenderiam aos extremismos, chegando, inclusive, à promoção de atos violentos contra aqueles que não professem a sua fé. Muitos não acreditam que a religião seja nem mesmo um fator importante na difusão de valores como respeito, amor e tolerância. A violência e a intolerância social, crêem eles, serão combatidas com a certeza da punição de quem infringir as leis. Os laicistas afirmam, ainda, que, nos estados teocráticos, as leis religiosas é que serviriam de base para punir, através do Estado. Ora, não é este o caso do Brasil, onde nenhum cidadão é punido a não ser por infringir as leis (quando o é, diga-se de passagem) e onde o catolicismo, praticado pela imensa maioria da população, não incita a perseguição de crentes de outras religiões e nem mesmo de ateus ou de agnósticos.

Os laicistas acham que a religião deva ser um assunto privado e que, por isso, o Estado não deva fazer o que eles chamam de promoção de qualquer que seja a religião, quer pela adoção de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos quer permitindo que se lecione disciplinas religiosas nas escolas públicas, mesmo que seja para que os alunos tomem conhecimento da existência de várias religiões e de seus fundamentos. Como a religiosidade ofenderia os ateus e os agnósticos, os laicistas acham que o seu direito de não serem ofendidos deva ser mais significante do que o desejo de tantos outros pais que gostariam que as escolas dessem a seus filhos a oportunidade de estudar e de conhecer princípios religiosos.

Ora, a separação entre Igreja e Estado não significa que se negue aos crentes o direito de ter suas opiniões, de defendê-las, de cumprir com suas responsabilidades e de participar na vida pública, como qualquer outro cidadão, sob pena de cair no sectarismo religioso e no totalitarismo ideológico. A laicidade não pode significar que os crentes devam abster-se de se basear na "lei moral" de sua filosofia religiosa em sua atuação social e pública. É importante que se leve em consideração que exista uma ética natural, aprofundada ao longo de milênios, já pelos filósofos pagãos, que não é nem religiosa nem constituída por dogmas de fé, e cujas conclusões racionais são válidas para crentes e não crentes que admitam usar a razão, para a qual, buscar sinceramente a verdade, é direito e dever de todos os membros de uma comunidade.

Os pais da Ética racional foram os filósofos gregos, desde Sócrates e de seu discípulo, Platão, a Aristóteles e os filósofos estóicos, até chegar a Cícero e a Sêneca. Nenhum deles pretendia fazer teologia. Toda a ética racional foi um esforço da razão para achar as respostas certas sobre o verdadeiro bem e a verdadeira felicidade do homem e da sociedade. Muitos laicistas ignoram, inocentemente ou não, a história do pensamento ético, invocando a razão contra a religião, ao mesmo tempo, entretanto, em que se recusam a usar esta mesma razão para conhecer a verdade, recorrendo ao agnosticismo, que afirma ser impossível conhecer-se a “verdade" – em não se podendo conhecer uma essência da verdade, impõe-se a ditadura do relativismo.

Suprimida a capacidade de a razão atingir verdades, resta a vontade - o puro e simples desejo -, fazendo da liberdade a fonte da verdade. Ou seja, não existirá mais nenhum referencial objetivo da verdade e do bem. O que o consenso, por livre escolha de uma maioria, aceitar como "verdadeiro" e "certo" é o que será a verdade ou o correto. Nem mesmo nesse ponto, entretanto, os laicistas conseguem ter coerência, uma vez que usam do discurso de defesa das minorias para impor verdades à maioria – calada e açoitada pela mídia.

A laicidade é, portanto, completamente diferente do laicismo, que parece incorporar a figura de um tribunal da inquisição laica, fustigando e ridicularizando todos os que não comungam com esse pensamento. O laicismo, que pretende se apresentar como a única voz da racionalidade, é uma ideologia que deseja restringir a liberdade religiosa até que se relegue a fé à esfera do privado, opondo-se à expressão pública de tudo o que seja religioso. O laicismo quer silenciar os cristãos, afirmando que eles pretendem impor ao Estado posições que têm apenas como base a fé, como se ela fosse incompatível com a razão.

A presença de um crucifixo não ofende um ateu. Ofende, sim, um antireligioso fanático. A simples presença de um crucifixo não significa nem que quem dele abaixo esteja trabalhando seja um cristão. E, ainda que fosse, que ameaça isso poderia representar a um ateu ou a um crente de outra religião? É posto que não faz parte da cristandade perseguir os que não a pratiquem ou aos que nela não creiam. Dirão alguns que na época da Inquisição houve sim perseguição aos não cristãos. Pois é, de lá para cá, a coisa mudou, e muito, é preciso que se lembre. Houve, por pressuposto, uma evolução sábia que resultou na abolição deste tipo de perseguição religiosa. Promover a neo-Inquisição contra os cristãos, portanto, representa um retrocesso e não uma continuidade evolutiva da humanidade.

É bom que se lembre que o crucifixo não é apenas um símbolo da religião católica, ele é o símbolo da cristandade – que é uma filosofia de vida, muito mais do que uma religião. Há, inclusive, os cristãos que prefiram carregar consigo símbolos que remetam à lembrança do Cristo vivo e não da hora de sua agonia na cruz. O próprio Jesus não era católico e pregava uma nova maneira de comportamento do homem face aos outros homens e à vida. A religião católica surgiu, institucionalmente, muito depois da morte de Jesus. E, ainda que tenha se baseado nos ensinamentos deixados por Ele, jamais pôde pretender englobar e representar toda a cristandade – uma vez que uma religião instituída seja obrigada a limitar-se por regras de legalidade, de subsistência financeira, de hierarquização e tantas outras. Posto que seja dificílimo traduzir cultura, costumes, crenças e espiritualidade em instituição.

Perseguir símbolos cristãos, em nome da laicidade do Estado, portanto, não é racional. A cristandade não é uma religião, como já disse, é uma filosofia de vida. Tanto que não importa aos cristãos que a CNBB tenha ajudado a colocar comunistas no poder e que, parte dela, hoje, forçada pelos escândalos de corrupção, se veja contrária a muitos deles. Problema da CNBB. Porque, para os cristãos, o Cristo está muito acima do catolicismo ou de qualquer outra religião. Fingindo querer enquadrar a religião católica aos termos da laicidade do Estado,o que se quer mesmo é atacar a cristandade – evitando, ao máximo, expor a população, especialmente as crianças e os jovens, que são o futuro, ao contato com a filosofia indiscriminadamente popular e indiscutivelmente sábia de Jesus.