“O nosso amôr é uma realidade que veio sendo transformada – hoje atinge um nível nunca por mim sonhado, mas vamos continuar transformando. Sonho com êle numa fazenda coletiva – juro não ser ciumento e lutar junto contigo pela tua liberdade – e vou te amar mais intensamente, isto é possível, sinto que é. Nosso amôr não está isolado na realização de nós dois, nem nos milhares de filhos que teremos, êle nasceu e estará umbilicalmente ligado à Revolução e construção do Socialismo”.
As palavras acima foram escritas pelo próprio Carlos Lamarca, num diário que escreveu, durante seus últimos dias de vida, em fuga pelo sertão da Bahia. Na verdade, ele o escreveu para Iara Iavelberg, sua amante e companheira revolucionária.
Praticamente uma confissão assinada de que o ex-capitão do Exército lutava em nome da Revolução Socialista. Uma revolução que lutava sim contra os militares, mas não pela democracia e sim para se estabelecer no poder e fazer do Brasil um país comunista. Militares, aliás, que tomaram o poder, dando um contra-golpe no golpe contra o Estado Democrático Brasileiro que o senhor, então presidente da república, João Goulart, pretendia liderar no país, ajudado por várias organizações revolucionárias comunistas – todas elas financiadas, direta ou indiretamente, pela URSS.
A pergunta é: por que é que nós brasileiros temos que pagar indenização aos familiares de Lamarca por ele não ter se saído vitorioso em sua empreitada comunista?
O fato de este senhor ter sido considerado anistiado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), fez com que a sua viúva oficial, Maria Pavan Lamarca, viesse a receber uma indenização de R$ 100 mil, já que a Comissão entendeu que Lamarca teria morrido sob a responsabilidade do Estado, e uma pensão relativa a de capitão, posição que ele ocupava antes de desertar do Exército. Em 2003, o ministro do Supremo Tribunal Federal(STF), Celso de Mello, negou recurso da Advocacia Geral da União contra a promoção pós-morte do capitão ao posto de tenente-coronel do Exército. Ele disse, à época, que, na fase em que estava o processo, não era possível o exame de provas que esclarecessem a controvérsia sobre a expulsão de Lamarca do Exército. Maria Pavan Lamarca passou a receber, então, uma pensão relativa ao soldo de tenente-coronel.
Vamos aos fatos. Não há controvérsia nenhuma. Lamarca não foi expulso do Exército, ele desertou, por livre e espontânea vontade. Cometeu um crime. Aliás, ele deveria ter tido a hombridade de pedir baixa, já que não concordava com o posicionamento político e ideológico daquela instituição. Mas, o capitão preferiu continuar lá dentro, para fornecer armas e munições aos companheiros revolucionários comunistas. Quando decidiu partir definitivamente para a luta armada, furtou uma última e mais significativa quantidade de armas e de munições e, simplesmente, desertou.
Lamarca também não morreu sob a responsabilidade do Estado. O ex-capitão, que muito provavelmente jamais se renderia, morreu ao ar livre, no sertão da Bahia, após reagir, ao ser surpreendido por tropa militar que pretendia capturá-lo. Aliás, Lamarca já havia, ele mesmo, e também ao ar livre, mandado matar um refém militar indefeso e desarmado que estava sob sua custódia. Um homem de combate prefere morrer combatendo e foi assim que Lamarca morreu. Já ao seu refém, Lamarca não deu a mesma chance.
Como se já não bastasse esse primeiro erro. Agora, sob o argumento de que se tivesse continuado sua carreira militar, Lamarca teria se aposentado como coronel, e, como a legislação determina que os inativos recebam o valor referente a um posto acima na graduação militar, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu à viúva uma pensão relativa ao salário de general de brigada, que hoje corresponderia à R$ 12, 125 mil. E como se a cascata de aberrações de toda a espécie não fosse suficiente, Maria Pavan Lamarca e os filhos, César e Cláudia, também foram considerados anistiados.
A comissão entendeu que eles tiveram que sair do Brasil por causa da atuação de Lamarca contra o regime militar. O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, explicou que a indenização concedida à viúva e aos filhos de Lamarca foi dada porque "Eles foram perseguidos, monitorados pela área de informações de alguns órgãos, como o extinto Serviço Nacional de Informação (SNI)". E completou: “A decisão foi ponderada. Não houve critério subjetivo no julgamento, não demos nada além do que a lei prevê”, afirmou o presidente da comissão, que disse não acreditar em críticas ou reações por parte do Exército”.
Deve-se lembrar à Comissão que foi Lamarca quem decidiu – e de acordo com a imposição da Vanguarda Popular Revolucionária – que sua família deveria seguir para Cuba. Eles jamais foram perseguidos e nunca chegou a haver fato que justificasse essa decisão. A mulher e os filhos de Lamarca permaneceram em Cuba até 1979 – sabe-se lá vivendo de que, inclusive enquanto o ex-capitão estava vivo. Já Lamarca, que por aqui ficou, passou a poder circular ao lado de Iara Iavelberg e a se dedicar às causas da revolução comunista e à luta armada.
Deve-se lembrar, também, que a família de Lamarca estava em Cuba, aquela nossa vizinha que está sob a ditadura de Fidel há mais de 50 anos. E que, por lá, seria extremamente difícil e improvável que estivessem sendo monitorados por agentes de informação brasileiros.
Pela decisão, os três, esposa e dois filhos de Carlos Lamarca, receberão prestação mensal única no valor de R$ 100 mil, cada um, e também a diferença entre os salários de coronel e de general, com data retroativa a 1988, quando foi feito o primeiro pedido de anistia. A partir de agora, é preciso esperar um prazo de 30 dias - caso alguém queira entrar com recurso contra a decisão. Após este tempo, os processos seguem para o setor de finalização da Comissão. Em seguida, o ministro da Justiça, Tarso Genro, assina a portaria. Os recursos para o pagamento da pensão e dos ajustes retroativos partirão do Ministério da Defesa. A mulher e os dois filhos de Lamarca vão receber pelo Ministério do Planejamento.
Presente ao julgamento, a filha de Lamarca ficou emocionada com a decisão. “Este momento é valioso historicamente, para que excessos não sejam praticados, para que a Constituição seja respeitada, para que todos tenham o direito de opinar”, disse Cláudia.
Duas coisas esqueceu a senhora Cláudia: primeiro, o pai dela desrespeitou a Constituição e cometeu vários excessos – entre eles, matar 3 pessoas; segundo, muito poucos estão tendo o direito de opinar sobre as indenizações fartamente distribuídas entre ex-guerrilheiros e seus herdeiros, com as quais já foram gastos R$ 2,3 bilhões, sendo 24 pessoas receberam indenizações acima de R$ 3 milhões.
No final do julgamento, Cláudia chorou. Suas lágrimas foram vistas por todo o país, através das imagens transmitidas pelas emissoras de TV. Muitos brasileiros também choraram – não pelas mesmas razões, entretanto. Choraram de raiva, de impotência e de indignação.
Christina Fontenelle
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Abaixo, confiram uma pequena biografia do cidadão para cujos herdeiros todos nós brasileiros contribuiremos, com os impostos que pagamos, para indenizar.
Carlos Lamarca
Filho de um sapateiro e de uma dona-de-casa, Carlos Lamarca nasceu, em 1937, no Rio de Janeiro, onde viveu no morro de São Carlos, até os 17 anos, com os pais, os irmãos e uma irmã de criação - Maria Pavan. Em meados da década de 50, entusiasmou-se com a carreira militar e, depois de ser reprovado por duas vezes nos exames, finalmente, em 1955, ingressou como aluno na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre. Três anos depois, estava matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde, clandestinamente e fora dos limites da AMAN, participou de grupos de estudo do marxismo-leninismo, tornando-se um simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Ainda cadete, em 1958, Lamarca engravida a própria irmã de criação e os dois casam-se, secretamente (cadetes não podem ser casados), no ano seguinte, indo morar no Campo do Santana (Centro – RJ). No dia 5 de maio de 1960, nasce César Lamarca, primeiro filho do casal. Nesse mesmo ano, Lamarca sai Aspirante, classificado em 46º lugar numa turma de 57 cadetes, e vai servir em Osasco (SP), no 4º Regimento de Infantaria em Quitaúna. No livro “Iara Iavelberg: uma vida de engajamento político-cultural, de Hélio Daniel Cordeiro, há o relato de que Maria Pavan sofria de uma misteriosa doença nos rins que consumia todo o salário do marido. Entretanto, além de estar viva até hoje, ela engravidou no início de 1962, antes de Lamarca partir, já como Segundo Tenente, para o Oriente Médio, em missão junto às forças da ONU, na ocupação do canal de Suez, de onde só retornaria, no ano seguinte, já depois do nascimento da criança – Cláudia Lamarca – em outubro de 1962.
No contra-golpe de 31 de março de 1964, o Tenente Lamarca estava servindo na 6ª Cia PE, em Porto Alegre. Na época, ele já transitava com desenvoltura pelas esquerdas. Não foi por outro motivo que, na noite de um sábado de dezembro daquele ano, como oficial-de-dia, facilitou, deliberadamente, a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, que estava preso por subversão. Embora o inquérito aberto para apurar o caso não tenha chegado a conclusões definitivas, Lamarca foi movimentado, em dezembro de 1965, para o 4º RI, em Quitaúna (RJ) -seu antigo quartel. Lá reencontra velhos amigos, como o cabo José Mariane e o sargento Darcy Rodrigues, todos eles militantes de esquerda.
Carlos Lamarca é promovido a Capitão em agosto de 1967 - ano em que retoma os estudos sobre marxismo e em que a idéia de guerrilha se consolida em seus planos. Em dezembro de 1968, depois de estabelecer conversações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Lamarca, juntamente com o sargento Darcy, ingressa na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e, de imediato, cria uma célula clandestina da VPR dentro do quartel. Na época, Lamarca era o instrutor de tiro da Unidade, apesar de nunca ter conseguido, com revólver calibre .38, média maior do que 78 no tiro de precisão. O sargento Darcy desviava do quartel munição e granadas, falsificando documentos sobre o gasto nos treinamentos. Conseguiu desviar 2 mil tiros para municiar os 9 FAL que haviam sido roubados pela VPR, em 22 de junho de 1968, no assalto ao Hospital Geral de São Paulo, no Cambuci.
Convencidos de que a guerrilha no campo seria uma possibilidade concreta se conseguissem mais armas, Lamarca e Darcy (e Mariane, também da VPR) resolveram rouba-las do quartel. O planejamento da ação, marcada para os dias 25 e 26 de janeiro de 1969, foi intenso e meticuloso, prevista para ser realizada nos dias, inclusive com a especificação detalhada de quem deveria matar quem. Entretanto, a prisão de quatro militantes da VPR e a descoberta, em Itapecerica da Serra, do caminhão que estava sendo pintado com as cores do Exército, para fim de facilitar o roubo do armamento, determinaram a antecipação do assalto, que acabou acontecendo no dia 24 de janeiro. Naquele dia, Lamarca entra com sua própria Kombi no quartel e retira 63 fuzis FAL, três metralhadoras INA, uma pistola .45 e farta munição. Com 31 anos, Carlos Lamarca desertava do Exército e ingressava na clandestinidade.
Dali, dirigiu-se para a casa de Onofre Pinto, a fim de despedir-se de sua esposa, Maria Pavan, e do casal de filhos que, naquela mesma noite, embarcaram para Cuba, via Roma, junto com a família de Darcy Rodrigues. A esposa e os filhos de Lamarca viveram na Cuba de Fidel por quase 11 anos, de onde só retornaram, em 1979, depois da Anistia. Na verdade, o filho, César Lamarca viria a ser tenente do exército cubano.
Despachada a família, Lamarca passou a poder desfrutar livremente da companhia de sua amante Iara Iavelberg. Ao contrário do que se divulga, não foi em 1969,após a deserção de Lamarca, que os dois se encontraram. Na verdade, quando Iara ainda era uma adolescente, eles tiveram um encontro fugaz. Reencontraram-se nos primeiros meses de 1968, quando Iara dava aulas teóricas sobre Lênin e a teoria marxista para militantes da esquerda em Quitaúna e. Lamarca ensinava Carl von Clausewitz, o grande teórico dos conflitos bélicos que disse: "a guerra é a continuação da política por outros meios."
Ela nasceu em 1944, em uma abastada família de judeus paulistanos. Casou-se em 1960, aos 16 anos, com Samuel Halberkon, um médico da comunidade. Separou-se três anos depois e aderiu à militância política. Estudou psicologia na Universidade de São Paulo e virou professora. Era alta, loira, tinha os olhos claros, grandes, e um rosto com sardas. Vaidosa, cuidava muito bem do corpo, dos cabelos e das roupas, hábitos inusitados para a esquerda da época. Separada, passou a exercitar o amor livre e as relações fugazes – entre seus namorados, o então líder estudantil José Dirceu. Era o comportamento comum entre as elites em Paris, Ipanema e Jardins. Chamava-se revolução sexual e fazia parte do contexto de libertação da mulher.
Depois de um Congresso realizado em abril de 1969, numa cidade do litoral paulista, Lamarca foi eleito um dos cinco membros do Comando Nacional (CN) e a VPR reiniciou as ações armadas. A primeira delas foi na tarde de 09 de maio, quando Lamarca comandou o assalto simultâneo aos bancos Federal Itaú Sul-Americano e Mercantil de São Paulo, na Rua Piratininga, bairro da Mooca. Na operação, o gerente Norberto Draconetti foi esfaqueado e o guarda-civil Orlando Pinto Saraiva, que teria tentado reagir ao assalto, foi morto com dois tiros disparados por Lamarca - um na nuca e outro na testa.
A fama de Lamarca fez com que sua aparência física o transformasse num alvo fácil de ser reconhecido. Lamarca resolveu mudar. Em julho de 1969, trocou todos os dentes superiores e realizou uma operação plástica, na qual reduziu o nariz e suavizou os sulcos marcantes que tinha na testa e na face. A operação foi feita no Rio de Janeiro, de onde Lamarca viajou de volta para São Paulo, logo após tirar nova identidade.
No início de dezembro de 1969, a VPR adquiriu um sítio, distante 4 quilômetros da BR-116. A partir de janeiro de 1970, os militantes foram chegando para o treinamento. Já eram 18 guerrilheiros, quando, em 27 de fevereiro, Chizuo Ozawa, o "Mário Japa", que sabia a localização da área foi preso. Se falasse, estragaria tudo. Preocupado em libertá-lo, Lamarca seqüestrou, Em 11 de março, o Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, que acabou sendo trocado por "Mário Japa" e mais cinco presos. Mas, no início de abril, dezenas de dirigentes e de militantes da VPR foram presos e Lamarca decidiu desmobilizar a área, evacuando os militantes em três grupos. Entretanto, dois dias depois, quando somente 8 militantes já haviam fugido, chegaram as primeiras tropas da "Operação Registro".
No dia 8 de maio, noite do Dia das Mães, depois de mais de duas semanas de cerco, Lamarca e mais 6 militantes emboscaram cerca de 20 homens da Polícia Militar de São Paulo, chefiados pelo Tenente Alberto Mendes Júnior - que decidiu entregar-se como refém, desde que seus subordinados, feridos, pudessem receber auxílio médico.
Na noite seguinte, 2 guerrilheiros acabaram se extraviando do grupo. Sem saber disso e não tendo os dois reaparecido, depois de andarem um dia e meio, Lamarca acusou o Ten Mendes de tê-los traído e de ter causado a morte dos dois companheiros. Um "tribunal revolucionário", condenou o Tenente à morte. Um dos terroristas, Yoshitane Fujimore, com a coronha do fuzil, desferiu violentos golpes na cabeça do Tenente que, caído e com a base do crânio partida, gemia e se contorcia de dor. Outro terrorista, Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe mais golpes na cabeça, esfacelando-a. Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Ten Mendes foi enterrado. Lamarca responsabilizou-se pelo assassinato. Em 08 de setembro, o terrorista Ariston Oliveira Lucena foi preso e apontou o local onde o Tenente Mendes estava enterrado, relatando o ocorrido. As fotografias tiradas atestaram o horrendo crime cometido. A mãe do Tenente entrou em estado de choque e ficou paralítica por quase três anos. Quando o crime foi descoberto e divulgado, a VPR emitiu o seguinte comunicado "Ao Povo Brasileiro": "A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O Tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado."
Em meados de junho, Lamarca, em reunião com Joaquim Câmara Ferreira ("Toledo"), da ALN, e Devanir José de Carvalho ("Henrique"), do MRT, estabeleceu a lista dos 40 prisioneiros que seriam trocados pelo Embaixador alemão, seqüestrado em 11 de junho de 1970. No início de outubro, o casal Lamarca e Iara foi descansar, durante dois meses, numa casa alugada em Rio D'Ouro, pequeno lugarejo perto de Teresópolis (RJ).
Ali, Lamarca pôde escrever vários documentos teóricos de orientação à VPR e, à revelia da "frente" composta com a ALN, o PCBR, o MR-8 e o MRT, decidiu executar o seqüestro do Embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. Então, na manhã de 07 de dezembro de 1970, numa rua estreita e de mão única, que ligava o bairro de Laranjeiras ao Flamengo, depois de bloquear o carro do Embaixador, Lamarca bateu no vidro da janela onde estava o segurança Hélio Carvalho de Araújo, um Agente da Polícia Federal, abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver "Smith & Wesson" calibre .38, cano longo, a uma distância de um metro: o 1º tiro atingiu o teto do carro e o 2º as costas do Agente que viria a falecer três dias depois, no Hospital Miguel Couto.
O Embaixador passou 40 dias no cativeiro, até que, em 13 de janeiro de 1971, 70 presos, escoltados por 3 agentes da Polícia Federal, decolavam do Galeão num Boeing da Varig, com destino a Santiago do Chile.
Em 22 de março de 1971, Lamarca, através do documento "Ao Comando da VPR", apresentou o seu "pedido de desligamento em caráter irrevogável", e, pouco depois já estava no MR-8. Ele e Iara passaram os meses de abril, maio e junho escondendo-se de "aparelho" em "aparelho", até que foram para o sertão da Bahia, onde se separaram, definitivamente – Iara foi para Salvador e Lamarca para Itaberaba e Ibotirama. Jamais se veriam novamente. Iara Iavelberg foi encontrada a 20 de agosto, em um apartamento da Pituba, Salvador. Segundo os militares, quando se viu cercada, conseguiu escapar para o apartamento vizinho e trancou-se no banheiro. A versão oficial é a de que Iara teria dado um tiro no próprio peito, aos 27 anos, enquanto um soldado tentava arrombar a porta do banheiro. Sua família, contudo, levanta a hipótese de ela ter sido executada.
Lamarca deixou um diário como legado, redigido durante seu exílio na caatinga baiana. São 39 trechos, redigidos entre 8 de julho e 16 de agosto de 1971 (um por dia), endereçados a Iara. O diário jamais chegou à destinatária. Foi entregue pelo capitão ao militante João Lopes Salgado, codinome “Fio”, e depois foi repassado ao militante César Queiroz Benjamim, o “Menininho”, na época com 17 anos. Em 21 de agosto, Benjamim estava num carro, entre as praias de Ipanema e Leblon, quando foi abordado por uma blitz da PM. Acabou escapando durante a revista. Mas, no carro, ficaram os companheiros, uma maleta com roupas, uma arma e um envelope lacrado - o diário de Lamarca estava dentro deste envelope.
Quando soube da morte de Iara, dias depois, Lamarca teria perdido a vontade de prosseguir na luta. Foi encontrado em 17 de setembro por uma patrulha comandada pelo major Nilton Cerqueira. O ex-capitão estava desanimado, fraco, desnutrido e doente. Os dois militantes, que descansavam à sombra de uma árvore, perto do arruado de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos, à voz de prisão, tentaram sacar de suas armas. Uma série de tiros pôs fim a Lamarca, aos 33 anos, e a José Campos Barreto. O major e o ex-capitão ainda chegaram a manter um rápido diálogo.
Cerqueira indagou pelo nome: “Capitão Carlos Lamarca!”, identificou-se. A seguir perguntou onde estariam sua mulher e filhos: “Em Cuba”, respondeu. A última das perguntas: “Você sabe que é um traidor do Exército brasileiro?” Lamarca não respondeu, segundo Cerqueira. De acordo com um militar que acompanhou os acontecimentos, a desfeita de Lamarca teria sido pior. Balançou os ombros e braços, no gesto de quem quer dizer “e daí?”, e tentou se levantar dando as costas à patrulha. Terminou fuzilado no chãopelo major Cerqueira. Segundo a autópsia, no estômago e nos intestinos do capitão Lamarca só havia capim. Da aventura, só restaram as mensagens jamais entregues à musa inspiradora.
Hoje ela deveria ser exumada, para que pudessem comprovar a causa de sua morte.
ReplyDeleteSegundo a versão oficial, ao se ver cercada em um apartamento em Salvador, Iara (namorada de Lamarca, e na época grávida) teria se suicidado. Ninguém jamais pôde comprovar essa versão, porque ninguém foi autorizado a abrir seu caixão.
Entretanto, há muito tempo conheço outra versão, passada por alguém que a teria ouvido de um dos participantes do cerco.
O banheiro onde ela se trancou foi metralhado pela repressão, a ponto de não sobrar quase nada da porta. Seu corpo, obviamente, não ficou em bom estado. Mas por um desses milagres da vida, seu rosto, belíssimo, continuava intocado.
Agora, 30 anos depois de sua morte, vai-se finalmente saber a verdade. E vamos ver como andam minhas fontes.
Por Rafael Galvão em 23 de setembro de 2003: terça-feira
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Na minha obrigação de brasileiro, tenho a satisfação de ajudar a contar a história da morte de Iara Iavelberg. Não quero meu nome citado por que há estertores do medo na mente e no tempo. Mas sei que para oprimir Iara dentro do apartamento que a mesma morava em Salvador em um apartamento na Pituba, foi destacado uma equipe do Corpo de Fuzileiros Navais, dentre eles estava na época o soldado UBIRATAN BANDEIRA DE ARAÚJO, do Batalhão de Fuzileiros Navais de Salvador, na Bahia, que conta que ela ficou retida no apartamento, tentou pular da área de serviço para uma outra de um apartamento vizinho e não conseguindo se trancou desesperadamente em um dos quartos do apartamento que morava e foi metralhada sem dor e nem perdão. Este ex-militar que agora tem 56 anos conta esta história, sempre. Ele ainda mora em Salvador, na Rua José Martins Conceição (Rua I), Setor L, nº 61 – Mussurunga II, em Salvador, na Bahia, tel (71)3376-3824. Hoje ele trabalha como motorista no Jornal A Tarde, sendo cooperativado da COOPEMBA.
Espero que a família de Iara saiba que ela não suicidou-se. De forma alguma. Foi metralhada. Ela pediu misericórdia, mas foi executada.
Um amigo.