Uma rápida análise na tabela de votos abaixo, desenhada de acordo com dados oficiais do TSE, mostra que, em tese, todos os eleitores que votaram nos candidatos que não foram para o segundo turno das eleições acabaram optando por votar em Lula na segunda etapa da eleição. E mais, revela ainda que muitos dos que haviam votado em Alckmin no primeiro turno mudaram de opinião e resolveram votar em Lula. Sabem qual é a possibilidade disso ter realmente acontecido? A mesma que a que eu tenho de acertar na mega-sena. Devo esclarecer a você, leitor, antes que comece a calcular as probabilidades, que eu aposto nesse jogo, em média, uma vez a cada dois anos e com apenas um bilhete. O que será que aconteceu?
Só houve um caso na história das eleições para governador e para presidente, das 102 que já aconteceram no país desde 1996, levando-se em conta os votos dos eleitores de todas as capitais brasileiras, em que um candidato, no segundo turno, tenha tido menos votos que no primeiro – foi quando, em 1996, o candidato a prefeito de Belo Horizonte (MG), Amílcar Martins, do PSDB, que havia obtido no primeiro turno das eleições cerca de 279.055 votos, perdeu a disputa eleitoral, recebendo no segundo turno apenas 248.781 votos – ou seja, 30.274 votos a menos. O vencedor daquela eleição foi Célio de Castro, do PSB, que havia recebido cerca de 429.948 votos no primeiro turno e que recebeu 809.992 votos no segundo turno. O fenômeno – localizado - deveu-se, segundo análises veiculadas em jornais da época, ao jogo de alianças feito para o segundo turno e ao fato de o PT, ao invés de ter apoiado Célio de Castro (PSB) no primeiro turno, ter lançado candidatura própria (Virgílio). Foi em 1996 também que, pela primeira vez, o voto eletrônico abrangeu todas as capitais (à exceção de Brasília, onde ainda não havia eleição municipal) e municípios com mais de 200 mil eleitores (totalizando 57 cidades no Brasil, sendo 4 delas em Minas Gerais).
Não há explicação ideológica, política, factual, ou o que quer que se considere, capaz de esclarecer o fenômeno que se viu configurado no mapa dos resultados eleitorais obtidos no segundo turno. Nada aconteceu de extraordinário em relação à candidatura de Alckmin que justificasse a perda dos votos que teve e nem a estimulação que tiveram eleitores que haviam votado em branco ou anulado seu voto no primeiro turno para que fossem levados a votar contra o candidato do PSDB no segundo turno. Ao contrário, desiludidos, 2.822.039 a mais de eleitores optaram por não votar no segundo turno das eleições – as abstenções subiram de 21.092.675 para 23.914.714.
Também não há explicações lógicas para o fato de que todos os eleitores que haviam optado por votar em candidatos sem maioria no primeiro turno, supostamente por opções ideológicas, tenham decidido votar em Lula no segundo turno. Aqui, também teoricamente, nem mesmo o candidato Cristovam Buarque, que declarou que iria votar em Alckmin, o teria feito. É claro que sabemos que a conta matemática não revela quem votou em quem, mas simplesmente que mais pessoas migraram para o eleitorado de Lula do que as que o fizeram em relação a Alckmin.
Muitos alegam que essa imensa conquista de votos se deva ao Bolsa Família (11 milhões de famílias – aproximadamente 25 milhões de eleitores), ao adiantamento do 13˚ Salário dos aposentados, ao aumento de 5% do salário mínimo (aos 45 do segundo tempo), aos reajustes de alguns servidores públicos, e coisas desse gênero. Uma pergunta: Por que estas pessoas já não teriam votado em Lula no primeiro turno? É claro que todos os beneficiados pelo empreguismo, pelas esmolas, pelos reajustes, etc. – todos estes sempre votaram em Lula. Então, voltamos à questão: “O que foi que aconteceu para fazer com que 11,6 milhões de pessoas simplesmente resolvessem votar em Lula?”
Alckmin perdeu votos em 23 das 27 unidades da federação. Em termos percentuais, do primeiro para o segundo turno, as maiores perdas foram no Tocantins, no Maranhão e no Ceará. Mas, em termos de quantidade de votos, o candidato do PSDB perdeu mais votos em Minas Gerais (menos 516.279 mil votos), Goiás (239.617) e São Paulo (230.864) – curiosamente, em três Estados onde houve vitória do PSDB nas eleições para Governador – respectivamente com Aécio Neves (PSDB - reeleito no primeiro turno), com Alcides Rodrigues (PP - eleito com apoio tucano no segundo turno) e com José Serra (PSDB - eleito no primeiro turno). Até em Pindamonhangaba (SP), sua terra natal, Alckmin perdeu 3 mil votos para Lula. O candidato do PSDB só aumentou o número de votos em quatro Estados: Alagoas, Amazonas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Sem falar de perdas e ganhos, Alckmin obteve maioria em sete Estados: MT, MS, SP, PR, SC, RS e Roraima.
Depois do segundo turno das eleições, Lula, com os 11,6 milhões de novos votos que conquistou entre os dois turnos, ampliou o número de Estados em que foi vitorioso de 16 para 20, “enfraquecendo” o discurso da divisão do país, que pautou boa parte do debate eleitoral.
Não foi sem motivo que a “divisão do país” começou a ser motivo de discussão na campanha eleitoral, mas não por regiões e sim entre ricos e pobres. Apesar de dizer que não usou a tática de dividir o país entre ricos e pobres, foi exatamente isso que Lula fez nos palanques pelos quais passou, pronunciando discursos nessa linha e que acabaram sendo ouvidos ou lidos, em parte, por todos os brasileiros ao longo dos noticiários sobre as eleições. Dividiu sim, mas já vem fazendo isso desde a campanha presidencial de 2002 e durante o próprio período em que esteve na presidência, sempre que teve a oportunidade de jogar os pobres e os com menos instrução contra o que chama de “elite” (que todos nós sabemos muito bem tratar-se exclusivamente daqueles brasileiros que têm instrução e que não comungam das idéias e das atitudes do presidente e de seu partido, mas que Lula quer fazer parecer, aos pobres, tratar-se dos ricos).
A postura do Lula "pai dos pobres" passou a ser mais explorada desde o auge da crise do mensalão, em meados de 2005, quando o presidente começou a se comparar com ex-presidentes populistas como Getúlio Vargas, João Goulart e Juscelino Kubitschek. Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo (30/10/2006), quando a eleição foi levada para o segundo turno, o marqueteiro de Lula, o jornalista João Santana, ainda na noite de 1° de outubro, teria repetido uma frase que falara em outros momentos da campanha: "Se tiver segundo turno, a gente divide o país e ganha".
Antes, porém, de recorrer a esse “tiro de misericórdia”, Lula e Santana decidiram tentar ainda uma penúltima estratégia, que era a de vincular o candidato Alckmin às privatizações da era do governo de FHC, já que os discursos falsamente ufanistas e sempre ideologicamente mal versados sobre as mesmas têm cuidado de manter o povão, os estudantes e grande parte da classe média na mais completa ignorância sobre o tema (com a inegável e imprescindível colaboração dos meios de comunicação de massa). A estratégia, sem dúvida, deu certo. Mas, por mais certo que tenha dado, não teria sido capaz de provocar o fenômeno de migração de votos, todos eles para Lula.
A despeito da incompreensível incompetência da campanha de Geraldo Alckmin para reagir a cada ataque que tenha sofrido dos adversários, é inadmissível aceitar como parte do processo democrático, especialmente em relação a campanhas eleitorais e a plebiscitos, que deslavadas mentiras sejam veiculadas em território nacional sob o título de “estratégia de campanha”, num jogo de vale tudo, fazendo com que o futuro de todos os brasileiros seja decidido por uma maioria, criminosa e propositadamente, mal informada – não só nas campanhas eleitorais, mas desde sempre, inclusive pela mídia (principalmente a de grande alcance) e, outra vez na época das campanhas, por empresas de pesquisas com elas possivelmente comprometidas. Isto para não falar do absurdo que foi não termos tido, particularmente nesta eleição, uma única instituição sequer neste país que tenha sido capaz de interpretar a diferença entre “pirotecnia de campanha eleitoral” e “engodo eleitoral” – que foi o que aconteceu – e igualmente capaz de impedir que “esse festival de mentiras fosse levado até o fim”, o que lhes enquadra perfeitamente na condição de cúmplices de horrendo espetáculo.
Campanhas “bem feitas” podem eleger candidatos, sem dúvida. Mas, não há campanha que resista a uma oposição de verdade, que ataque e contra ataque com fatos. No caso específico desta campanha presidencial é impossível não olhar com desconfiança para a omissão dos supostos adversários de Lula em relação, por exemplo, aos reais benefícios advindos de algumas das principais privatizações (apesar de terem ocorrido sim irregularidades); em relação a questões sérias como as do aborto, as do comprometimento do atual presidente com o Foro de São Paulo, as do perdão de dívidas de outros países para com o Brasil e as dos investimentos feitos no estrangeiro – incluindo a usurpadora Bolívia – em detrimento de muitos outros que precisariam ser feitos no Brasil.
Outras questões ainda de igual importância também não foram abordadas, como o falso crescimento do poder de compra da população (que aconteceu por conta do crédito facilitado e não do aumento real de seu poder de compra) e a alardeada criação de empregos (na verdade, trabalhos, muitos deles temporários, sem perspectiva de crescimento profissional, enquanto milhares de brasileiros com mão-de-obra especializada, com segundo grau completo e com nível superior estão desempregados). Questões éticas fundamentais também não entraram no cardápio, nem da oposição nem da mídia, como a criação e/ou o enriquecimento de ONGs como a Rede 13, da filha de Lula, e a Unitrabalho, fundada por Jorge Lorenzetti em 1996; ou como os 15 milhões que a Telemar “investiu” em empresas dos filho de Lula; e, finalmente, por falta de espaço, como o asilo político concedido pelo governo brasileiro ao falso padre Olivério Medina, conhecido porta-voz das Farc no Brasil.
Quanto ao próprio Geraldo Alckmin, é preciso dizer que, sempre que teve oportunidade, fez referência sim a quase todos esses temas - não literalmente, mas por meio de palavras que somente quem sabia do que se tratava poderia entender; o que é infrutífero para conquistar votos do povão, mas também não deixa de ter sido uma espécie de código através do qual dizia – a quem pudesse entender – que sabia de muitas coisas sobre as quais não podia falar. E por que?
Na verdade, Alckmin nunca fez parte de um partido realmente oposicionista. PSDB e PT são ideologicamente idênticos, diferem, às vezes e apenas, em relação aos meios. O PSDB tem origem na esquerda e dela nunca se desviou. Particularmente, eu me atreveria a dizer que, inicialmente escolhido como o “boi de piranha” do PSDB nesta eleição, Alckmin, apesar do explícito esforço que se tenha feito em contrário, surpreendeu a todos com os votos que conquistou, levando a eleição presidencial para o segundo turno. Dessa forma, muitos de seus correligionários e aliados tiveram que se “engajar” num “apoio” que nunca pretenderam dar e para o qual não estavam preparados. Quando isso aconteceu, houve pânico (muito maior no PSDB do que no PT) de que alguém com explícita vocação para romper com a ideologia socialista ascendesse ao poder, ameaçando desfazer o projeto de esquerda que vem sendo alinhavado, e não é de hoje, para o Brasil e para o Continente Sul-americano. Alckmin, depois da derrota, disse estar com a consciência limpa de quem fez o melhor que pôde. Ele não optou pelo “suicido político” que poderia ter cometido se tivesse arriscado e “jogado tudo no ventilador”. Deve saber o que está fazendo.
Junto com a “incompetência” da oposição, uma imperdoável omissão dos meios de comunicação de massa, principalmente por parte da imprensa, que foi incapaz de cogitar qualquer um dos temas acima citados para fazer matérias a respeito e muito menos para perguntar ao candidato Lula da Silva qualquer coisa parecida. É bom recordar que tanto Heloísa Helena quanto Alckmin foram questionados sobre aborto, por exemplo, por mais de uma vez; no entanto, Lula jamais foi argüido sobre o tema, nem pela imprensa nem pela oposição.
Acordo velado? Pavor da mão do Estado nazista? E o que dizer das repetitivas afirmações da campanha de Lula, e do próprio presidente, de que os crimes aparecem em seu governo porque agora as instituições funcionam e a Polícia Federal age livremente? Ora, onde esteve a oposição que foi incapaz de recordar ao público todas as mil e uma operações do governo para não instalar CPIs e as que até hoje prejudicam e até inviabilizam todas as tentativas de se investigar até o fim as inúmeras acusações de abusos, de crimes e de “erros” cometidos por parte de pessoas do governo, e pior, intimamente ligadas ao presidente Lula?
Ora, se somente são oferecidos a alguém maçã e abacaxi, como é que se pode, depois, questioná-lo por não ter escolhido banana?
O “must” da encenação eletrônico-eleitoral têm sido as pesquisas. Se eu tivesse um funcionário que errasse tanto, em tantas vezes, das duas uma: ou já o teria demitido por ineficiência, ou já igualmente o teria feito por concluir que seu trabalho era inútil. É claro que as pesquisas são fruto da evolução matemático-científica e funcionam muito bem sim. É por isso que são sempre e permanentemente encomendadas. Os repetitivos e sucessivos erros que vêm sendo cometidos nos pleitos de importância nacional parecem ser uma demonstração da certeza absoluta que uns e outros têm na ignorância popular. E até nisso as empresas de pesquisa acertam.
Desde o Referendo sobre o Desarmamento, votado em 23 de outubro de 2005 (para não ter que mencionar pela enésima vez o caso PROCONSULT), que as pesquisas vêm “errando”. Para se ter uma idéia, cerca de um mês antes do dia da votação, apareciam na mídia resultados de pesquisas que davam ao SIM uma preferência de 82% da população. Uma semana antes do pleito, o IBOPE admitia, no máximo, um empate técnico entre as duas posições. As urnas revelaram, entretanto, que 63,94% dos votos válidos deram a acachapante vitória do NÃO. Que conclusão se tiraria disso? Que as pesquisas poderiam estar querendo influenciar os votos? Ou que elas são conjecturas inúteis e que o que vale é o resultado das urnas? Ou ainda que pesquisas podem falhar ou serem manipuladas, mas as urnas não? Estariam as pesquisas propositadamente erradas, para que a população viesse a crer que nunca teriam seus votos manipulados nas urnas, uma vez que os resultados da apuração poderiam sim ser bem diferentes do que divulgavam as tais pesquisas? Talvez tudo isso junto. Talvez nada disso...
O fato é que situações bem parecidas aconteceram agora nas eleições presidenciais e em muitas das eleições estaduais para senador e para governador. Continuam sem respostas as mesmas questões que se fizeram presentes no referendo do Desarmamento. Porém, na segunda etapa da eleição presidencial, todas as pesquisas foram de uma precisão impressionante, diante de tantos erros antes cometidos. Eu diria que, depois dos fenômenos “perda de votos” e “não receber nenhum voto de eleitores que votaram em outros candidatos no primeiro turno” que aconteceram com a candidatura de Alckmin, a “precisão das pesquisas” pode, com certeza, ser o terceiro maior fenômeno dessa eleição presidencial.
Somos, de fato, um fenômeno democrático. “Muitos países desenvolvidos no mundo não têm o sistema eleitoral eletrônico que temos aqui” – disse Lula, no rápido pronunciamento que fez à imprensa assim que soube que estava tecnicamente reeleito. A eficiência do sistema totalmente informatizado de nossas eleições (que não conta com urnas que imprimem os votos) foi tema dos noticiários de todo o país, como sempre. Vale lembrar que os países mais desenvolvidos do mundo não adotaram o sistema eleitoral totalmente informatizado, sem a impressão do voto, simplesmente porque vários estudos sérios já comprovaram a ineficiência deste sistema em relação à segurança contra possíveis fraudes. Aliás, o próprio PT, por exemplo, quando realiza importantes eleições internas, dispensa o direito que tem de pedir urnas eletrônicas emprestadas. O mesmo acontece no Congresso, em votações, como por exemplo, a de cassações de mandatos.
Tenho visto muita gente revoltada com a reeleição de Lula, de mensaleiros e de sanguessugas, colocando a culpa no Bolsa Família (que chamam de Bolsa-Esmola e de Bolsa-Votos) e no povo, dizendo que não sabem votar e que, finalmente, temos tido os maus governos que merecemos. Eu não concordo de maneira nenhuma com isso. Quem coloca e tira gente do governo de países como o Brasil são “forças” alienígenas, que financiam este ou aquele governo e esta ou aquela campanha. Quem permite que isso aconteça são as nossas instituições - que de independência só conhecem aquilo que belamente está escrito na Carta Magna, o que não corresponde absolutamente em nada à realidade – e a nossa mídia, que depende financeiramente das duas primeiras, para não falar nos seus próprios compromissos ideológicos.
Colocar a culpa no povo? Que me desculpem os que pensam em contrário, mas eu chegaria ao cúmulo até de dizer que o povo não tem praticamente nada a ver com isso. Basta ver o que aconteceu em Rondônia, onde o contato com a realidade fez o povo de lá descartar a reeleição de Lula. Basta ver, também, a esmagadora vitória do NÃO no referendo sobre o Desarmamento, quando tanto a campanha do NÃO como uma considerável parte da mídia forneceram uma boa gama de informações que puderam ser comparadas com as que eram veiculadas por aqueles que eram a favor da vitória do SIM. Povo bem informado sabe muito bem votar a favor de si mesmo e daquilo que realmente acha melhor para o país.
Christina Fontenelle
13/10/2006
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