Saturday, October 14, 2006

O MENTIROSO E O AGRESSIVO


A verdade constrange o presidente Lula. Por isso, qualquer um que se utilize dela para se dirigir a ele será acusado de indelicado e agressivo.

Por Christina Fontenelle
O presidente-candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, passou toda a sua campanha atacando o governo de Fernando Henrique Cardoso – que não foi, não é e não será o de Alckmin, se ele for eleito presidente do Brasil. Se há um defeito a ressaltar na campanha de Alckmin é o fato de o candidato não ser mais explícito em relação a isso: Alckmin não é FHC, não foi presidente do Brasil, fez por São Paulo coisas que FHC não fez pelo Brasil e tem uma postura em relação aos interesses brasileiros suficientemente diferente da de FHC para fazer a diferença, para melhor, diga-se de passagem, na hora de estabelecer a posição do país nas disputas internacionais e no estabelecimento de metas desenvolvimentistas.

No debate entre os dois presidenciáveis realizado no dia 8 de outubro, na TV Bandeirantes, não foi diferente. Lula atacou o governo do PSDB e dirigiu a Alckmin cobranças que, na verdade, só poderiam ser respondidas por FHC. Eu diria que o ex-governador de São Paulo teve muita paciência, porque, se fosse comigo, eu, no mínimo, teria dito: “os seus assessores deveriam ter lhe preparado para debater com o candidato Geraldo Alckmin e não com FHC, mesmo porque, ele não está aqui para se defender”.

Quem viu o debate teve a oportunidade de observar um Alckmin seguro e incisivo, sem meias-palavras e que incorporou o espírito de muitos brasileiros ao dirigir a Lula uma série de perguntas que certamente muito deles gostariam de fazer ao presidente. A certa altura, Lula começou a debochar da postura impecavelmente impositiva de Alckmin. Fazendo isso, o presidente mostrou seu talento para o cinismo – o que não surpreende a mais ninguém, diga-se de passagem. Lula bebeu muita água, mostrou-se desconfortável e simplesmente não respondeu a muitas das perguntas do adversário – o que também não surpreende a mais ninguém.

LULA: Tão satisfeitos?HOMEM: Foi muito bem, presidente!LULA: Bem é o caralho! Foi nessa merda que vocês me meteram, tão satisfeitos?VOZ DE MULHER (Possivelmente Marta Suplicy): Calma presidente, você se saiu muito bem.LULA: Se eu me estrepar, vai todo mundo se fuder junto!

O diálogo foi presenciado por um funcionário da TV Bandeirantes, conforme divulgação na Internet. Não se sabe se é verdadeiro ou não, mas, a julgar pelo que já foi publicado no livro “Viagens com o Presidente”, de Eduardo Scolese e Leonencio Nossa, poderia perfeitamente ter acontecido. Na verdade, não estaria expressando nada além da realidade do que aconteceu naquele debate na BAND e só vem confirmar o porquê do empenho do PT e de grande parte da mídia em enquadrar Geraldo Alckmin nas algemas do discurso politicamente correto que o qualifica de “agressivo”.

A coordenadora da campanha de Lula em São Paulo, Marta Suplicy, declarou, ao final do debate entre Lula e Alckmin, na BAND, que o candidato da oposição parecia um “candidato de plástico”. Um ato falho, com certeza, haja vista as atuais feições de madame Suplicy. Os companheiros do PT, em massa, todos disseram que Lula havia se saído muitíssimo melhor do que o oponente. Bem, da boca para fora não se poderia esperar outra coisa mesmo, mas, a reação em forma de “operação desespero”, que já estava em andamento, agora ficou mais veemente.

"Pensei que não estava na frente de um candidato, que estava na frente de um delegado de porta de cadeia", disse Lula a jornalistas, em Brasília, no dia seguinte ao debate. As declarações foram dadas em uma cerimônia no Palácio da Alvorada, onde mais de 30 cantores de gospel participaram, declarando seu apoio à campanha do presidente. Bem, lugar de delegado é mesmo na delegacia e até eventualmente na porta da mesma. O que o presidente talvez quisesse dizer fosse “advogado de porta de cadeia”, que são aqueles advogados oportunistas que pegam qualquer causa apenas para faturar uma “graninha”. Errou duas vezes o presidente: na expressão popular e no significado que ela teria caso estivesse certa.

"O povo não quer ver candidato xingando o outro. O povo quer saber o seguinte: o que é que vai fazer para melhorar a minha vida", disse ainda o presidente. Nisso Lula tem razão, essa é uma coisa que todo mundo está interessado em saber. Entretanto, pelo menos 58.157.780 eleitores brasileiros estariam igualmente muito interessados em saber outras coisinhas mais. Algumas delas, por exemplo: de onde veio o dinheiro para comprar o dossiê Vedoin? Por que a Polícia Federal é tão eficiente em assuntos que favorecem o governo do PT, ou que dele são independentes, e não apresenta o mesmo excelente desempenho quando se trata de “investigar” fatos que incriminem pessoas ligadas ao PT? O ex-ministro Palloci cometeu crime de violação do sigilo bancário contra um cidadão brasileiro comum. Como foi possível que ele tenha sido candidato, pelo PT, a deputado federal? E as despesas astronômicas com cartão de crédito corporativo da presidência, inclusive com saques em dinheiro de grandes quantias? E a “investigação” relâmpago da PF sobre os grampos telefônicos no TSE e no STF, constatando e garantindo, pela primeira vez na história da Eletrônica e das Telecomunicações, que uma linha telefônica jamais tenha sido grampeada? A lista teria para mais de cem outras “pequenas curiosidades” dos brasileiros e seria inviável escrevê-las todas aqui.

Mesmo com o “bunker” (
o mesmo de sempre) desfalcado, pelo recente afastamento estratégico de figuras militantes importantes como Ricardo Berzoini, Freud Godoy e Jorge Lorenzetti, por suspeita de envolvimento na compra do dossiê Vedoin, o PT começou a apelar de todas as formas e maneiras para atacar a candidatura de Alckmin. Primeiro, antes mesmo do debate da BAND, veio a divulgação mentirosa, pela boca do próprio Lula, em entrevista a uma emissora de rádio, da estória das privatizações da Petrobras, da Caixa Econômica, etc.; e, como mentira pouca é bobagem, agora falsificam os números dos gastos da campanha presidencial do candidato do PSDB, multiplicando por mil o real valor despendido pelo tucano com viagens entre 2001 e 2005.

Até mesmo a primeira dama, Dona Mariza, resolveu trabalhar pela reeleição de seu marido. Ela saiu, ao lado da esposa do vice-presidente José Alencar, pelas ruas de Brasília (DF), para pedir votos para o PT. Eu não conheço o protocolo que rege a respeito do que deve ou não ser feito pela primeira dama. O que eu e todo mundo sabe é que, ao contrário de todas as ex-primeiras damas que o país já teve, Dona Mariza, não realizou um único tipo sequer de trabalho, paralelo ao de Lula, em benefício do país, nem mesmo em ações sociais, nos quatro anos do governo de seu marido. A esposa do presidente Lula não teve disposição para o trabalho social, mas teve, agora, para trabalhar pela reeleição de seu marido, assim como teve também para gastar. A primeira dama gastou, e muito, principalmente com os cartões de crédito corporativos da presidência – cujas faturas estão sendo atualmente “investigadas” (ô investigaçãozinha demorada essa!) pelo Tribunal de Contas da União e se encontram inacessíveis à vigilância social, por terem passado a ser consideradas assunto de segurança nacional – pela atuação do petista Aloísio Mercadante.

Nos novos programas eleitorais de Lula para o segundo turno das eleições, mais truques de edição (ninguém esqueceu do “empréstimo não contabilizado” que o PT fez para Lula dos aplausos que eram para Kofi Annan, na ONU). Desta vez, fazendo uma edição extremamente bem cuidada do que teria sido falado pelo presidente no debate da BAND. Quem não assistiu, não conseguirá ligar o que ouviu no rádio, nas ruas e o que eventualmente tenha lido nas manchetes de jornais, com o que pareceu ter sido o desempenho de Lula na versão da primorosa edição do PT.

Neste mesmo programa, depois de citar os mais de 46 milhões de votos conquistados no primeiro turno, Lula apresentou como Estados que disseram "sim” a Lula, entre outros, São Paulo e Rio Grande do Sul. Mentira, porque paulistas e gaúchos votaram mais em Alckmin. Segundo o presidente, os adversários fazem "uma campanha de ódio", que divide o Brasil entre aliados e inimigos. Mas é ele, e não Alckmin, que anda dizendo que foi a “elite” que levou o tucano para o segundo turno das eleições presidenciais. O PT não perde mesmo essa prática de acusar os outros daquilo que seus líderes e aliados é que fazem. Sabe-se muito bem o que é que Lula chama de “elite”. O povão é que talvez não ligue o nome à pessoa, achando que o presidente esteja se referindo a gente de dinheiro ou a poderosos políticos. Na verdade, a definição do nosso presidente e de todos os seus aliados para “elite” é muito simples: elite é a classe de pessoas à qual pertencem todos aqueles que não estejam de acordo com a transformação do Brasil em um Estado petista.

Ao contrário, entretanto, do que o presidente diz, se há alguém que possa ser acusado de ter dividido o povo brasileiro, seu nome é Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi o homem que trouxe para a vida prática o que prega a teoria da revolução socialista. Ele foi o homem que mais jogou os pobres e menos favorecidos deste país contra os mais afortunados, indiscriminadamente, em quase todos os seus discursos, nos quais sempre dá um jeito de falar de uma “conspiração das elites” para derrubá-lo e/ou difamá-lo (como se ele precisasse de alguém para fazer aquilo em que se tem mostrado um verdadeiro expert). Lula se inclui entre os pobres, embora esteja há anos luz da pobreza, há muito tempo e desde bem antes de ser eleito presidente.

Lula, que dobrou seu patrimônio pessoal durante os 4 anos de governo, tem o hábito, por exemplo, de fumar exclusivamente charutos cubanos e de usar cigarrilhas holandesas. Não é para qualquer um. Dona Mariza, por sua vez, freqüenta festas, como as do aniversário de seu cabeleireiro, Wanderley Nunes, em fevereiro deste ano, no restaurante Magari, em São Paulo. No cardápio, nhoque com queijo fontina de entrada e peixe pargo com risoto de açafrão (o povão aqui vai precisar de dicionário de culinária); para beber, champanhe francês Billecart-Salmon (R$ 240, a garrafa) e vinho tinto Brunello di Montalcino, (safra 99 - R$ 362, a garrafa).


Sobre o gosto da família “Silva” pelo nababesco, em 2003, a Folha de SP publicou interessante matéria comparando o arrocho que o governo estava impondo no país com a prodigalidade dos gastos destinados ao conforto e ao luxo de Lula e de dona Marisa no Palácio do Planalto e na Granja do Torto. Na época, haviam sido abertas licitações para a construção de um ginásio esportivo, com sala de fisioterapia, no Palácio do Planalto (R$ 62.500), ampliação da churrasqueira e do salão da Granja do Torto (R$ 92.127) – onde antes já se construíra um campo de futebol, devidamente iluminado, para que Lula pudesse jogar à noite com os amigos. Nos itens licitados para o enxoval do Palácio da Alvorada, entre outros exageros, destacavam-se o material de cama, no qual figuravam roupões de banho necessariamente confeccionados com fios de algodão egípcio (R$ 152.637), e quatro máquinas fotográficas digitais (R$ 5.760). Bem, se Lula se diz um homem do povo e que a elite está com Alckmin, ô povo rico esse nosso, hein?

Os cartões de crédito corporativos não ficam atrás - são uma metralhadora de gastos. Alckmin perguntou a Lula sobre isso no debate da BAND. O presidente, depois de chamar o adversário de “leviano”, disse que os cartões tinham sido "a única coisa boa que o FHC criou no governo dele". Não respondeu, nem sobre os gastos excessivos nem sobre o sigilo que os envolvem. Alckmin, quando retomou a palavra, disse que seu compromisso seria com a transparência absoluta.

De fato, como disse Lula, os cartões foram criados em 2002, no governo de FHC, para facilitar o pagamento de despesas imediatas que, naquele ano – último de FHC - somaram R$ 1,3 milhão. As faturas eram enviadas ao TCU e publicadas, para conferência pública, no site do Sistema de Acompanhamento Financeiro da Administração Federal (Siafi). Os cartões tinham cada um o limite de R$ 400 mil. No governo Lula, logo nos dois primeiros meses de uso, ultrapassou-se este limite, que foi alterado, então, para R$ 1 milhão cada cartão.

Desde 2005, as “despesas” vêm sendo investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cujo ministro Ubiratan Aguiar vem analisando as auditorias realizadas que vão aos poucos sendo feitas em cerca de 30 mil notas fiscais, algumas delas sob suspeita de serem frias. Dados sigilosos que vazaram desta investigação relatavam saques de mais de R$ 1 milhão que teriam sido feitos por um único funcionário, em 2004, e gastos indevidos com a primeira-dama e os filhos do presidente.

As despesas com os cartões, sem prestação de contas, incluindo gastos e saques, já somam neste ano (2006), R$20,756 milhões, incluindo todos os ministérios e a Presidência (2005 - R$ 21,706 milhões e 2004 - R$ 14,1 milhões). Os dados são do próprio portal da Presidência – que revela o destino de apenas R$ 94.987,33 (2,6%), dos quais R$ 20 mil foram saques em dinheiro (que não se sabe onde foi gasto).

E os ataques a Alckmin não param. No dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, o senador Eduardo Suplicy compareceu à missa na Basílica de Aparecida, onde também estava o candidato do PSDB acompanhado de sua esposa e, com a falsidade que lhe é peculiar, recomendou que Alckmin fosse “respeitoso” com o presidente Lula no próximo debate. Aproveitou também para dizer que o programa Bolsa-Família, ao contrário do que havia dito Alckmin no debate da BAND, exigia sim contrapartidas. Alckmin não quis alimentar uma discussão com Suplicy e não fez comentários. Perdeu a chance de dizer algumas verdades ao senador petista. Uma delas é a de o senador deve saber muito bem que o PT faz vista grossa (ou não se interessa mesmo, já que o objetivo são votos) na fiscalização, tanto de quem recebe o auxílio do Bolsa-Família quanto em relação ao cumprimento das contrapartidas. A outra é a de que um homem que sabe o que Suplicy sabe sobre o PT e sobre Lula e continua ao lado dele e dentro do partido é cúmplice de todos os crimes e atentados à democracia que foram cometidos por eles nos últimos anos – sendo assim, não se poderia mesmo esperar que respeitasse a comemoração religiosa.

Nesta quinta-feira, 12 de outubro, mais outro ataque. Desta vez foi contra a liberdade de expressão do famoso comentarista Arnaldo Jabor que publicara um comentário (*) feito no último dia 10 de outubro, no site da Rádio CBN. É ótimo porque, agora, os comentaristas só ficarão livres para falar o venha de encontro aos interesses do PT. O ministro Ari Pargendler, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a retirada do comentário do colunista da página da rádio CBN na Internet, e das páginas de todas as suas afiliadas. O advogados da coligação "A Força do Povo" (PT-PRB-PCdoB), que apóia a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, argumentaram que o comentário, intitulado “Qual é a origem do dinheiro ? Este é o lema da campanha da oposição”, prejudicava Lula e favorecia Alckmin. Pode até ser que isso seja verdade, mas não por culpa do Jabor e sim do próprio candidato do PT, porque o problema é que é praticamente impossível falar a verdade sem prejudicar o presidente Lula. Deveremos todos passar a mentir daqui para frente?

A despeito de todos os ataques de que lance mão o PT para liquidar com a candidatura de Geraldo Alckmin – e eles ficarão cada vez mais sórdidos daqui para a frente – não se pode perder o foco e censo de realidade. E a realidade é que a globalização, quer gostemos dela ou não, é irreversível sob todos os aspectos. A única coisa que poderia mudar esse rumo seria um cataclismo. Fora isso, ela é inexorável e há que se aprender a construir uma posição político-sócio-econômica sólida e uma soberania impositiva, ainda que com características de interdependência (inteligente e proveitosa, de preferência).

Manter este tipo de relação construtiva e interativa com economias essencialmente monopolistas, baseadas em supervalorização do Estado e na arrecadação implacável de impostos é um retrocesso de proporções gigantescas ao desenvolvimento humano – seja ele no Brasil ou em qualquer parte do mundo. É a tal estória: a democracia não é o melhor dos regimes, mas é o menos pior deles todos; e o mesmo vale para a economia, na qual a autonomia do mercado não é o que de mais perfeito se possa idealizar, mas ainda é o menos injusto e mais produtivo que se pode realizar.

Nesse contexto, alinhado com o que vem sendo feito na Venezuela pelo ditador Hugo Chavez, Lula é a personificação do caminho em direção ao retrocesso. FHC estaria mais para uma postura de governo de subserviência em relação às forças impositivas internacionais. Alckmin parece ser diferente, e isso pôde ficar mais claro na sua postura “agressiva” no debate da BAND. Ele talvez seja a liderança capaz de dar início, finalmente, à construção de um diálogo com as potências internacionais que comece a estabelecer a tão sonhada contrapartida de bons dividendos para o Brasil.

Christina Fontenelle
12/10/2006
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(*) Qual é a origem do dinheiro ? Este é o lema da campanha da oposição.
Arnaldo Jabor
O Estado de São Paulo, Caderno 2, 10 Out 06

O debate de domingo serviu para vermos dois lados do Brasil. De um lado, a busca de um 'choque de capitalismo', de outro um delirante choque de um socialismo degradado em populismo estatista, num getulismo tardio.

De um lado, S. Paulo e a complexa experiência de um Estado industrializado, rico e privatista e, do outro, a voz de grotões onde o Estado ainda é o provedor dos vassalos famintos. De um lado, a teimosa demanda de Alckmin pelo concreto da administração pública e, do outro lado, o Lula apelando para pretextos utópicos, preferindo rolar na retórica de símbolo, lendo constrangido estatísticas e citando obras quem nem foram iniciadas.

Alckmin foi incisivo; Lula foi evasivo. Lula saiu da arrogância do primeiro turno para o papel de 'sóbrio estadista injustiçado'. Mas não deu para esconder seu mau humor quase ofendido, por ter de dialogar ali com aquele 'burguês', limpinho, sem barba. Faltou-lhe a convicção de suas afirmações, pois seu 'amor ao povo' não teve a energia de antes. Gaguejou, tremeu, suas frases peremptórias não tinham ritmo, não tinham 'punch line', não 'fechavam', enquanto Alckmin parecia um cronômetro, crescendo no ritmo e concluindo com fragor.

Lula estava rombudo, Alckmin era um estilete. Lula estava deprimido porque raramente foi contestado assim, ao vivo. Sempre recuamos diante do sagrado 'Lulinha do povo', imagem que se rompeu domingo. Houve um leve sabor de sacrilégio na acusação do agora agressivo 'picolé de chuchu'. Alckmin rompeu a blindagem do Lula, protegido dos escândalos. Alckmin atacou a intocabilidade do operário sagrado e tratou-o como cidadão. Isso.

O Lula perdeu um pouco da aura de 'ungido de Deus'. Lula sempre se disse 'igual' a nós ou ao 'povo', mas sempre do alto de uma intocabilidade, como se ele estivesse 'fora da política'. Sempre houve um temor reverencial por sua origem pobre; qualquer crítica mais acerba soava como um ataque da 'elite reacionária que não suporta um operário no poder', como clamam tantos lulo-colunistas e artistas burros.

Quando apertou o cerco, Lula tentou se valer dos pobres, dos humildes, falou da mãe analfabeta, mas sempre evitou responder a qualquer pergunta concreta, como se a concretude fosse uma ofensa a seu mundo ideológico puro, acima da vida 'comum'. Várias vezes, suas falas não faziam sentido, porém mantinham para o espectador acrítico aquele ronronar grosso que empresta um ritmo de fundo em torno da sua imagem de 'símbolo dos pobres'.

Lula não precisa dizer a verdade; basta parecer. Sempre que o Alckmin o encostava na parede, ele chamava as verdades proferidas de 'leviandades', o que é muito comum no vocabulário petista que nomeia de 'erros' os crimes cometidos ou de 'meninos', os marmanjos corruptos que transportam dólares na cueca ou nas maletas e que foram 'desencaminhados', coitados, por bandidos comuns, talvez até (quem sabe?) 'a serviço' de tucanos solertes.

Lula tentou encobrir os crimes de sua quadrilha apelando para pretensos 'crimes' de gestões anteriores, como barragem de CPIs, votos comprados, caixa 2 sem provas.

Ele e os petistas se julgam donos de uma 'meta-ética', uma 'supramoral' que os absolveria de tudo e, por isso, Lula se utilizou de mentiras e meias-verdades para responder às acusações de mensalões e sanguessugas em seu governo.

Para justificar a omissão e a passividade diante da Bolívia e do prejuízo de 1 bilhão e meio de dólares nas instalações da Petrobrás, Lula chegou a criticar a violência burra do Bush para se absolver na política de 'companheirismo' com o Evo Morales. Ao invés de se defender de acusações pontuais, dizia que a era-FHC também era corrupta, como nas brigas de bordel, em que as prostitutazinhas se defendem apontando os pecados das outras.

Lula tentou fugir da pergunta que não vai se calar: 'Qual a origem do dinheiro?'

Lula respondeu com a metáfora batida: 'Muitas vezes o sujeito está na sala e não sabe o que está acontecendo na cozinha.' Ou seja: é normal que o chefe da Casa Civil e agora o Presidente do partido, Berzoini, Hamilton Lacerda, o chefe da campanha do Mercadante, o diretor do Banco do Brasil, seu assessor, seu churrasqueiro, petistas ativos no diretório, todos soubessem e trouxessem o dinheiro em malas, sem avisar o chefe. E quer que a gente engula.

Lula pediu a Deus que não o mate 'até que ele saiba de onde veio o dinheiro'. A resposta obvia é: 'Não precisa perguntar a Deus; basta perguntar aos seus assessores na sala ao lado...', como escreveu a Miriam Leitão.

Quando Alckmin o apertava, ele o desqualificava: 'Meu Deus... como é que pode? Você está nervoso, Alckmin... Não é o seu estilo...', querendo trancar o desafiante em seu papel de gentil picolé. Diante do pedido de explicações, fugia, tentando abordar 'questões programáticas' (como se ele as tivesse...), como se elas pudessem estar acima das 'bobagens de crimes que sempre houve, de erros de companheiros' etc... Assim, tentou voar por cima da ética assassinada.

Acontece que os crimes de sua quadrilha ' são' a questão principal e também 'programática' porque, além da imoralidade, esses crimes prefiguram uma política que visa a atropelar a democracia através de grossuras truculentas que lhes mantenham no emprego a qualquer custo.

Lula não pôde responder à pergunta fatal 'De onde vem o dinheiro?' porque sua origem é conhecida.

Todos sabemos que o dinheiro veio de algum nicho onde está guardado para 'despesas do partido', dinheiro desviado ou de fundos de pensão ou de estatais ou de bancos oficiais ou de contratos superfaturados. Todos eles sabem. Só falta o nome do dono da cueca ou das maletas. E certamente o advogado do governo não permitirá que saibamos até o dia 29.

Tudo está óbvio. Neste momento perigosíssimo de nossa História, só resta esperar que o 'povo' perceba o óbvio, já que os intelectuais jamais o enxergarão.

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