Sunday, May 20, 2007

BONITA NAVALHA, FERNANDINHO!

Christina Fontenelle
20/05/2007

BLOG/opinião: http://infomix2.blogspot.com/

As pessoas costumam enxergar o capitalismo e o comunismo como sistemas que regem as relações de trabalho e de troca comercial antagônicos. Na verdade, as relações capitalistas baseiam-se na preservação das garantias de propriedade privada dos bens de capital e de consumo e na suposta liberdade entre demanda e oferta (sejam elas de trabalho, de bens de consumo, etc.), auto-geradoras de um equilíbrio em permanente estado de alteração. No comunismo, não haveria a propriedade privada; mas, na prática, ainda que previsse a extinção do Estado, na medida em que as necessidades de todas as pessoas fossem sendo satisfeitas e as classes sociais se extinguindo, o último estágio da “revolução” jamais atingido foi o de um fortalecimento do Estado, representado, em última instância, por uma classe dirigente autoritária, concentradora e privilegiada que acaba por garantir a este Estado (e conseqüentemente a si mesma) o monopólio absoluto sobre a propriedade privada, sobre o lucro e sobre as liberdades individuais.

Outra coisa comum é associar o capitalismo à democracia e o comunismo à ditadura. Sem dúvida, democracias estão sempre associadas ao capitalismo. Mas, o comunismo tem “evoluído”. Desde o advento das urnas eletrônicas sem voto impresso e onde o registro de quem vota é feito na mesma máquina em que se vota, a democracia pôde ser reinventada e perfeitamente compatibilizada com a gradual comunização das sociedades. Há vários instrumentos de reinvenção, que vão, desde a transformação das urnas eletrônicas em verdadeiras caixas-pretas (onde sabe-se lá o que acontece com os votos) a usar o registro do voto associado ao do eleitor para punir quem vote na oposição (com desemprego, do próprio e de seus familiares, com perda de direitos sociais e todo o tipo de perseguição). É bem verdade que ainda haja muitos lugares onde essa maravilha eletrônica ainda não tenha chegado e onde ainda exista uma certa resistência aos sistemas “democráticos” de eleição. Acreditem, é uma questão de tempo.

Qual seria o maior sonho de um capitalista? Ser o único possuidor (e, naturalmente, único fornecedor) de um produto extremamente necessário (nem que essa necessidade fosse forjada por propaganda massiva) à vida de uma determinada sociedade. Dominar por completo o ciclo de produção deste bem, desde a extração de matérias primas até a venda do produto de consumo final – e, se possível, controlar, também, o sistema de financiamento deste aos consumidores. Livrar-se da concorrência e cercear a liberdade de escolha dos consumidores (seja por falta de opção ou por não ter a quem reclamar) é um sonho perfeitamente atribuível a qualquer grande capitalista. Pois não é justamente o que acaba acontecendo no comunismo – cujo capitalista faz parte da classe dominante do sistema ou é o próprio Estado? E se essa sociedade não for apenas um país e sim o mundo todo?

Durante o processo revolucionário socialista, a sociedade vai passando por etapas de extirpação dos inimigos do sistema. Conforme vai ascendendo e até que esteja definitivamente instalado no poder, é imprescindível ao partido socialista que a corrupção já esteja, e que seja ainda mais, completamente inserida nas relações entre o empresariado, os políticos, as autoridades e o Estado. Chantagens e vantajosas oferendas é o que será usado pelo partido para ascender e instalar-seno poder. Depois disso, não faltarão nem motivos e nem provas para enquadrar aqueles que forem tornando-se inúteis ou obstáculos a serem derrubados. Afinal, a polícia está aí para investigar crimes e prender criminosos mesmo – quanto mais aparentemente poderosos (leia-se ricos), melhor. Doa a quem doer, como gosta de dizer o presidente Lula.

Ora, criminosos devem mesmo ser punidos. Não restam dúvidas quanto a isso. Mas, nem todos o estão sendo. E o dinheiro na cueca? E o mensalão? E o dossiê Vedoin? E as ONGs que abrem, recebem doações e fecham? De onde vem tanto dinheiro? E os depredadores do Congresso? E as depredadoras da Aracruz Celeulose? Certamente não é por falta de competência que a polícia não tenha conseguido encontrar provas contra todos os envolvidos nestes sucessivos escândalos para indiciá-los e nem para descobrir a procedência de somas tão significantes. Quantos inquéritos estão sendo ou já foram conduzidos incorretamente? Quantos indiciamentos indevidos já foram feitos?

É bem verdade que, em muitas das vezes, a polícia prende e a Justiça solta. Solta culpados, mas também libera inocentes – é bom que se diga. E é bom que se lembre também que o país está repleto de empresários que são obrigados, ou a não pagar todos os tipos de altíssimos tributos que deles se cobra, ou a não cumprir tudo que a lei deles exige ou ainda a ter que pagar propinas para poder simplesmente trabalhar – não é sair nadando em piscina de lucros, não. Que fique bem claro também que são esses “malditos” capitalistas que empregam a maioria dos brasileiros. Ou esse povo acha que tem vaga pra todo mundo no aparelho estatal?

Com esta limpeza toda, que não é somente feita com prisões, mas também com as invasões no campo (levando muitos proprietários produtores a desistirem de seus negócios), com as sobrecargas de impostos, com a invasão do mercado interno por produtos importados de países onde a mão-de-obra é quase que escrava e com aumento desproporcional dos custos de produção, para citar apenas alguns motivos, acabaremos nas mãos de “meia dúzia de três ou quatro” conglomerados empresarias. Isso tem nome: é monopólio. E, pelo jeito, “essa meia dúzia de três ou quatro” só conseguirá essa hegemonia toda porque terá a permissão e a proteção do Estado para chegar lá. Isso tem um preço, que naturalmente será pago.

O sonho comunista não admite concorrência. Por isso, até mesmo o crime precisa ser monopolizado. Combatem-se os criminosos, não necessariamente para que se findem os crimes, mas para promover a ascensão de novos criminosos. Nesse jogo, não pode haver quem se iluda. Em prováveis futuras crises, quando já estiver com tudo dominado, e para assim permanecer, o partido não hesitará em fazer sacrifícios na própria carne. Esse dia chegará, e quem bem serviu ao partido não escapará. Mas, enquanto esse dia não chega, permaneçam todos aplaudindo a faxina que a polícia federal está fazendo país afora.

Chegará também o dia em que qualquer cidadão poderá ser preso quando o Estado assim o desejar, porque será impossível fugir da possibilidade de ser incriminado – seja por excesso de velocidade ao dirigir, seja por dar uma palmada num filho, seja por comprar um medicamento sem receita, seja por discorrer sobre os preceitos de sua própria religião, seja por não ter renovado o registro de arma de fogo que se tenha em casa, ou seja por uma infinidade de outras, hoje aparentemente inofensivas, criminalizações.

No último dia 17 de maio, por exemplo, foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto que propõe uma mudança na lei, de modo que esta passe a permitir que as provas derivadas de uma fonte ilícita (uma escuta telefônica sem autorização judicial, por exemplo) possam ter validade, caso uma outra fonte, independente (uma testemunha que tenha delatado a localização de drogas, por exemplo), justifique a sua apreensão. Isso mesmo: permissão para que se cometam crimes sob a justificativa de conseguir provar outros crimes. Essa permissão não é para qualquer um não, é para agentes do Estado (polícia, Ministério Público, juizes, fiscais, etc.) – qualquer um deles poderá produzir provas contra qualquer cidadão, sem precisar pedir autorização judicial, que só é dada quando ao juiz são apresentados motivos que justifiquem uma investigação. O relator do projeto é o deputado federal Flávio Dino (PC do B - MA), ex-presidente da associação dos juízes federais do Brasil.

É preciso que se observe muito bem as razões pelas quais alguns tipos de crimes são cometidos e por quem são cometidos. É preciso que haja um estudo sobre as opções ao crime. Os defensores dos direitos humanos, por exemplo, acham que os pequenos traficantes entram para o mundo do crime por falta de opção – são vítimas da “burguesia branca”. Pode ser que alguns empresários, profissionais liberais e até mesmo funcionários públicos também tenham que praticar crimes por falta de opção.

Minto. Sempre há uma opção ao crime. Fechar o negócio e virar camelô ou pipoqueiro, por exemplo. Hum... Isso não dá porque também não é legal. Emprego está difícil - não há vagas para todos. Pedir esmolas não é ilegal, mas não é exatamente um trabalho e, se o cara for bom e fundar uma espécie de indústria da esmola vai acabar sendo enquadrado como estelionatário ou qualquer coisa do gênero – de volta à ilegalidade. Dar aulas! Pronto, o cara pega tudo o que sabe (e sua formação acadêmica a tira colo) e vai ser professor numa escola ou numa universidade particular. O que? Precisa ter formação pedagógica e licença para lecionar? Quanto tempo leva para conseguir isso? Dois dias? Uma semana?... Ah... é muito tempo... o supermercado, a farmácia e as contas de casa não podem esperar tanto assim.

Evidentemente que eu estou tentando tirar gargalhadas de pedras. Justamente porque o assunto é sério e não tem graça nenhuma. Há criminosos que precisam ser punidos? Há. A polícia deve investigar os crimes e indiciar os suspeitos? Sim. A Justiça deve puní-los? Sem dúvida. Em contrapartida é preciso encarar o fato de que se uma lei proíba que se coma carne de porco, por exemplo, onde só haja porcos para comer, há de se convir que as maiores construções desse lugar serão os presídios. É bom que se lembre que, na Alemanha nazista, ser judeu era um crime. Quem não era judeu não se preocupou. Mas, depois, passou a ser crime falar mal do governo e os intelectuais passaram a ser perseguidos. Essa alusão já é antiga e bem conhecida. Todo mundo sabe como termina, não sabe?

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