Thursday, May 24, 2007

GRITOS DO SILÊNCIO


Christina Fontenelle
25/05/2007
E-MAIL:

BLOG/artigos: http://infomix-cf.blogspot.com/
BLOG/Série CAI O PANO: http://christina-fontenelle.blogspot.com/
BLOG/opinião: http://infomix2.blogspot.com/

Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres. Não se deixe cooptar. Não se deixe esmagar. Lutar sempre”.

A frase estava estampada nos 60 diplomas entregues aos formandos em cursos de especialização pela universidade Florestan Fernandes, do MST, em novembro de 2005. O então secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, estava presente. Lula sabia.

Antes disso, e de lá para cá, não só o MST, mas todos os movimentos sociais (sociais é ótimo) vêm alternando tempos de silêncio e tempos de agitação – tudo perfeitamente coordenado, de norte a sul e de leste a oeste do país. Isso já não é mais novidade.

Depois do quebra-quebra no Congresso, a invasão da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, por cerca de 600 famílias de integrantes do MST, da Via Campesina e do, vejam só, Movimento dos Atingidos por Barragens, talvez seja a ação mais ousada dos movimentos sociais financiados com verbas governamentais. Na ocupação, houve lançamento dos conhecidos coquetéis molotov. Lula autorizou o envio de tropas da Polícia Federal e do Exército para garantir que não haja interrupção no fornecimento de energia à região Norte. Mandou negociar. Um dos líderes dos ocupantes disse que, se o Exército agir e tentar retirar os manifestantes da usina, estarão todos prontos para reagir a altura.

Na quarta-feira, integrantes do MST bloquearam 39 rodovias federais e estaduais (São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba). É a “jornada de lutas unificada” por mudanças na política econômica, contra as reformas liberais da legislação trabalhista e previdenciária e em defesa de uma reforma agrária anti-latifundiária. Além do bloqueio em rodovias, o MST participou de atos públicos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Bahia, Brasília.

Em São Paulo, o prédio da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) foi invadido e continua ocupado, desde 3 de maio, por estudantes e funcionários. O coordenador jurídico do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Alceu Carreira, disse que o juiz Edson Ferreira da Silva, da 13ª Vara da Fazenda Pública, "está limitando o debate democrático da questão" ao negar o pedido do Sindicato para adiar a reintegração de posse da universidade. O juiz é anti-democrático, o sindicato, alguns alunos e funcionários da USP é que estão promovendo um “espetáculo de democracia” não é mesmo?

Adolescente é que costuma achar que diálogo com os pais é quando estes aceitam suas reivindicações. Quando dizem um sonoro NÃO, os pais são imediatamente rotulados de radicais intransigentes. Diálogo pressupõe troca – e, por vezes, é uma disputa entre argumentações na qual ora se perde ora se vence. É preciso que esse pessoal aprenda isso. Mas, eu estou apenas sendo gentil com a inteligência alheia. O problema, de verdade, é que não é bem de diálogo e nem de democracia que os movimentos sociais estão falando e muito menos procurando.

Em Maceió, um grupo de estudantes da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) ocupou, nesta quinta-feira (24/05), o gabinete da reitora, no campus daquela cidade. Os manifestantes quebraram portas e janelas, agrediram o fotógrafo da assessoria de imprensa da universidade e trocaram insultos com funcionários. Pessoas ligadas ao Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) ajudaram a ocupar a reitoria. Existem faixas de apoio à ocupação da USP espalhadas pelo prédio. Os estudantes e seus colegas do MTL estão lutando por melhores condições de ensino e ampliação da biblioteca? Não. Do alto de sua imensa experiência acadêmica, eles são contra a reforma universitária. Querem, também, que a escola agrotécnica saia do foco das grandes monoculturas e se volte para os interesses da agricultura familiar. Os alunos são contra os cursos pagos e a cobrança de quaisquer taxas acadêmicas. Querem a ampliação do restaurante e da residência do campus e desejam a instalação de uma creche gratuita nas dependências da universidade. Só isso.

Ora, mas que ótimo! É tudo com o que sempre sonhamos: brasileiros contra brasileiros numa guerra sem fim, por todos os lados e por toda parte.

Desagradável e criticada unanimidade, somente entre os jornalistas. Pelo menos foi assim que Gilson Caroni Filho, que é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha-RJ) e colaborador do Jornal do Brasil, do Observatório da Imprensa e de La Insignia, analisou os articulistas da mídia, no artigo “O apagão da imprensa”, na coluna Análise & Opinião, de Carta Maior, em 05/05/2007. Segundo Gilson, “triste foi ver a grita moralista unir reacionários conhecidos a esquerdistas combativos nas páginas de política. O que o método separou, o discurso uniu”.

Para o analista, “reacionários” são todos aqueles que não defendem a ideologia socialista, e o fato de seus discursos terem coincidido com o de esquerdistas combativos não foi provocado pela incontrolável insurreição da realidade, mas pela necessidade de vender jornal: “Render-se aos clamores de segmentos médios, expressos nas páginas dos jornais, não revela inteireza ética, mas oportunismo político e atração inequívoca pela ética do consumidor. Assim morrem as mariposas. E se reproduzem editores”.

O professor pretendeu, segundo escreveu, “Iluminar o norte dos considerados “formadores de opinião"”. Ato falho, apesar de ser o único a assinar o artigo, prossegue, esclarecendo que “Não é nosso objetivo propor que se passe uma borracha em todos os erros cometidos”. Nosso? Dele e de quem? Mas, insiste em que a mídia deveria ter se rendido ao fato de que “Nesse período, o Partido dos Trabalhadores e suas bases sociais fizeram o país avançar politicamente como nenhuma outra força de esquerda havia logrado antes”. E termina: “Aos lúcidos sobrou uma saída. Abandonar palavras de ordem vazia e adotar uma postura crítica. Bem distante do socialismo de salão. Bem longe dos distintos colunistas e seu público alvo: os inconformados da classe média que, perplexos e espumantes, vêem o país mudar, incorporando novos atores”.

Os inconformados, perplexos e espumantes da classe média precisam parar, então, de comprar, de assinar ou de acessar os veículos em que o senhor Gilson escreve. Os inconformados, perplexos e espumantes da classe média deveriam, também, parar de pagar a faculdade particular onde o professor Gilson dá suas aulas. Os tais dos inconformados, perplexos e espumantes da classe média já estão de saco cheio de pagar para que os movimentos sociais que o tio Gilson defende saiam por aí destruindo tudo que encontram pela frente. É natural que se tenha inimigos. O que não é nada natural é que se os fortaleça incessantemente. Palavras vazias são as proferidas por pessoas que se desdizem em seus próprios atos – cuspir no prato que se come não é lúcido nem crítico – também não chega a ser honorável. Antes de apontar o cisco no olho dos outros, é muito conveniente que se retire a imensa farpa dos próprios olhos. Mas, é lógico que, para isso, é preciso perceber a presença de tal farpa – dois neurônios e um espelho são suficientes.

Os argumentos do professor têm muito em comum com os dos focos de guerrilha instalados pelos movimentos sociais em grande e progressiva escala, por todo o país. Os discursos que proferem são claros – não deixam dúvidas quanto ao que se deseja. Nesse caso, nem espelho é necessário, bastam apenas dois neurônios para vislumbrar o futuro que bate às portas do país, com malas e cuias. Seria muito bom que os pejorativamente chamados de reacionários incorporassem o verdadeiro significado dessa palavra, ou seja, “aqueles que reagem”. O “apagão da Imprensa” acontece porque palavras já não surtem efeitos e não comportam mais as amplitudes da reação necessária. Não há mais o que dizer nem para onde encaminhar análise nenhuma.

Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres”. E contra ambos e a favor de todos, a rebeldia de um povo que, por tradição, dá à paz e à diplomacia todas as chances antes que se esgotem. Mas, que ninguém duvide: o povo desta terra veste verde e amarelo, ama a liberdade e canta o Hino Nacional - ainda que só a sua poderosa estrofe, mas com lágrimas nos olhos -, há muito mais gerações do que vem assistindo a uma minoria dar gritos de guerra para dividi-lo.

No comments:

Post a Comment