Thursday, September 13, 2007

FATOS E VERSÕES

Ontem o ministro da justiça Tarso Genro brindou o público do Programa do Jô (Globo) com a sua presença, concedendo uma entrevista que, obviamente, ocupou os quatro blocos do programa que vai ao ar todas as noites e que dedica as quartas-feiras à política. Um festival de simpatia e de outras coisas que não convém a uma simples jornalista comentar sobre o ministro da justiça de um país como o nosso.

Quase no final da entrevista, Jô Soares perguntou, ou melhor, fingiu que perguntou, sobre a extradição dos dois pugilistas cubanos, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, mandados de volta à Cuba, em tempo recorde, no início de agosto deste ano, após abandonarem a delegação de Cuba (e as competições), nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Como não poderia deixar de ser, o ministro repetiu a versão oficial do governo para o caso.

“Eles (os cubanos) chamaram a Polícia Militar do Rio de Janeiro... que recebeu os cubanos - Eles pediram para ir embora – e, imediatamente, o governo cubano colocou um avião à disposição. O grande problema dessas pessoas que querem deixar o país é o problema da condução. Nesse caso, o governo de Cuba queria recebe-los imediatamente. Esse processo foi totalmente regular no Brasil”

Apenas como observação, é preciso lembrar que a resposta do ministro não confere com o que ele disse em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, 24/08/2007: "A delegação cubana informou o desaparecimento dos atletas. A polícia encontrou os desaparecidos, que, levados à Polícia Federal do Rio de Janeiro, manifestaram a intenção de voltar ao país de origem"... "Eles foram questionados se queriam refúgio no Brasil ou se queriam voltar. Como optaram pela segunda opção foram deportados, pois houve um desvirtuamento do visto".

Continuando a entrevista, Jô Soares – que, diga-se de passagem, não deixou, um minuto sequer, de ironizar o que deveria acontecer com os pobres coitados dos “repatriados” - disse: “Pegou mal, ministro...”

Tarso respondeu: “Pegou mal porque a versão foi mal divulgada, e, às vezes, divulgada com má fé, por determinados órgãos de imprensa. Porque eles (os cubanos) pediram para ir embora, eles queriam ir embora. Mas, eu não poderia seqüestrá-los.”

Jô Soares: “Mas como é que você sabe que eles pediram para ir embora?”

Tarso: “Eu sei porque eles foram assistidos pelo Procurador Geral da República e pelo Lamê, que estavam juntos - e eles (os cubanos) deram dois depoimentos pedindo para ir embora. Então, a cobertura do fato foi uma cobertura maliciosa, na verdade. Se eu fizesse com que eles permanecessem aqui, eu estaria seqüestrando eles (sic)”....

E as pessoas queriam que os pugilistas dissessem o quê? Àquela altura, os dois já sabiam perfeitamente que não poderiam mais confiar em ninguém, além de, muito provavelmente, já estarem sabendo de ameaças sofridas por seus familiares deixados em Cuba. Vale esclarecer que, em primeiro lugar, os dois pugilistas cubanos não se apresentaram à PM do RJ. Eles foram solenemente detidos, sob a desculpa de que estariam sem documentos – documentos estes que estavam lá em Cuba. Naturalmente, depois do devido reconhecimento dos dois, sabia-se que seus vistos de permanência no Brasil, de 90 dias, ainda estariam dentro do prazo de permanência no país. Entretanto, os dois foram colocados, imediatamente, pela Polícia Federal, em "liberdade vigiada devendo permanecer em estalagem indicada pela autoridade policial".
Por que? Ora, a legislação prevê três formas para a retirada compulsória de um estrangeiro no país: 1) a deportação, para os casos de entrada ou estadia irregular no Brasil; 2) a extradição, para os estrangeiros que são procurados pela Justiça de outro país, condenados ou não (no caso do Brasil possuir tratado de extradição com o país de origem do denunciado) e, por fim, 3) a expulsão, aplicável quando o estrangeiro comete crime no Brasil. Ospugilistas cubanos não se enquadravam em nenhum desses casos. Para a justiça brasileira, eles “realmente quiseram voltarpara sua Cuba”.

As circunstâncias da deportação, entretanto, fazem dessa hipótese uma demonstração absurda de falta de respeito pela inteligência alheia que demonstraram os governos de Cuba e do Brasil ao comporem uma versão conjunta sobre o ocorrido.

O alemão porta-voz da agência alemã Arena Box Promotion que teria “aliciado” os dois pugilistas cubanos, Malte Muller-Michaelis, deve ser um lunático, então. Ele afirmou que o acordo com os dois já tinha sido firmado em 2004: "O público precisa saber o que ocorreu e que eles já haviam assinado um contrato em 2004, durante os Jogos Olímpicos de Atenas, de que usariam a primeira oportunidade que teriam para escapar. E isso finalmente surgiu no Rio. Os cubanos deixaram a Vila Olímpica e nos ligaram. Estávamos preparados a ajudá-los".

Michaelis acusou o governo de Fidel de ameaçar a família dos atletas enquanto eles estavam no Rio de Janeiro: "Os passaportes de alguns membros da família dos atletas foram levados, os carros foram tirados de seu poder e ainda alguns chegaram a ficar algumas horas detidos. Ao ouvirem isso, os atletas mudaram de idéia e decidiram voltar a Cuba. Mas sabiam que suas carreiras estavam acabadas. Nunca mais os dois serão boxeadores", disse o porta-voz.

Mas, nos depoimentos prestados à polícia brasileira, os cubanos deram uma pouco verossímil versão de que haviam sido dopados e obrigados a deixar a vila do Pan pelos “aliciadores” alemães - (parece que nos os passeios e nas festas que, respectivamente, fizeram e que freqüentaram, os dois pugilistas estiveram ”presos a pesadas correntes de chumbo, aos moldes do que ocorria na Idade Média). Enfim, por ordem do próprio ministro da Justiça, foram divulgados os depoimentos dos cubanos à PF. Um dos trechos diz o seguinte: "Foi oferecido ao depoente se desejava solicitar refúgio, o qual foi negado, pois o depoente diz amar o seu país, seus familiares, não ter problemas políticos ou religiosos", disse Ortiz, segundo transcrição do delegado da PF Felício Aterça.

Ao receber em Cuba os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, o ditador cubano Fidel Castro criticou duramente os “desertores” e disse que eles jamais voltarão para delegação cubana: “O atleta cubano que abandona sua delegação é como o soldado que abandona seus companheiros no meio do combate”, afirmou o Fidel, no texto "A Constância Escrita", publicado na primeira página do jornal oficial "Granma". Num ato típico de "generosidade socialista", Fidel assegurou que os boxeadores terão encerrada a sua carreira esportiva , mas que teriam, entretanto, postos de trabalho "decentes". Só depois do corretivo, o tirano liberou a entrevista de Rigondeaux, divulgada pela TV Cubana, em que o pugilista, vilmente amestrado, se dizia arrependido, merecedor de castigo e "fiel a la revolución".

Guillermo Rigondeaux, de 26 anos, e o campeão mundial Erislandy Lara, de 24, foram levados, por ordem do governo cubano, para a chamada "casa de visitas", em Havana, onde poderiam receber a visitados familiares.

Usando ainda outro argumento para confirmar que os pugilistas voltaram para Cuba porque quiseram, Tarso Genro disse: “Tanto é que três (outros cubanos) ficaram”. Três? Eu lembro de dois - o técnico de ginástica artística, Lázaro Lamelas Ramírez, de 33 anos, e o jogador de handebol, Rafael D'Acosta Capote, de 19 anos, (aquele que deixou a Vila Pan-Americana e foi para São Paulo, de táxi).

Na entrevista ao Jô, o ministro da justiça também esqueceu de mencionar (e o entrevistador de perguntar, é lógico) sobre o fato de o avião fretado por Cuba para levar os cubanos do Brasil de volta “ao lar” ser de propriedade de Hugo Chavez – o ditador venezuelano. A informação foi revelada pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI), na tal acima já citada audiência com Tarso, dia 24 de agosto, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, e na qual também estava presente o então diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda (hoje, no comando da Abin). É que, logo no início da sessão, Tarso foi questionado pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) sobre os dados do avião que levara os atletas de volta para Cuba. Ao dizer o prefixo YV-2053, o ministro foi interrompido por Heráclito Fortes: "Esse prefixo é venezuelano. O avião é da Venezuela" (Clique aqui para ouvir). O ministro da justiça disse que era fácil averiguar – até hoje não respondeu...

Seguindo, assim, com a entrevista, depois de reiterar que achava que os cubanos teriam sido abandonados pelas pessoas que lhes prometeram uma vida melhor, Tarso Genro, para dar um exemplo de que não era incomum as pessoas quererem voltar aos seus países, começou a contar sobre sua própria experiência como exilado, dizendo que, durante o tempo em que ficou no Uruguai, trabalhou o tempo todo com seu advogado no Brasil, para que pudesse voltar o mais breve possível – “No outro dia (seguinte ao dia que chegara ao Uruguai), eu queria voltar para o Brasil”.

O mais interessante, entretanto, e que obviamente não foi aproveitado pelo entrevistador, foram as seguintes palavras, nas quais, muito provavelmente sem querer, o ministro acabou revelando uma confiança na integridade das autoridades militares do país que, até então, não costumavam fazer parte dos discursos difamatórios da esquerda revolucionária sobre os militares da “ditadura”:

“Eu queria que meu processo saísse do DOPS, fosse para a Auditoria Militar, porque o auditor militar dava segurança que a gente não seria torturado, como efetivamente ocorria. E eu fiquei trabalhando, durante 1 ano e 7 meses com o meu advogado aqui do Brasil, para que o meu processo fosse para a Auditoria e eu pudesse me apresentar diretamente para a autoridade superior e, depois, ser remetido para o DOPS – mas, aí, controlado pela autoridade militar. E era o governo Médici, uma ditadura duríssima aqui no Brasil, e eu queria voltar pro meu próprio país, porque eu tinha, aqui, a minha mãe, o meu pai, os meus amigos.... Na verdade, esta questão de querer voltar à Pátria é uma coisa que está acima das fronteiras ideológicas...”
Enfim, a história do governo petista se constrói com discursos e versões - fatos são apenas detalhes...


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