Sunday, July 16, 2006

QUANDO A DÚVIDA É A MÃE DA APATIA

Christina Fontenelle
16/07/2006

Muitos têm dito e repetido que a sociedade brasileira está sofrendo de apatia diante dos escândalos de corrupção, diante do terrorismo a que o campo e as cidades vêm sendo submetidos e diante da falta de seriedade de grande parte da mídia – especialmente a de grande alcance - em revelar a verdade do que está por trás do assassinato do Brasil que conhecíamos.

Eu já disse muitas vezes e reafirmo: a sociedade não está apática coisa nenhuma e, embora muitos ainda não acreditem, se as próximas eleições primarem pela lisura, ela vai demonstrar isso retumbantemente nas urnas. A sociedade está sim paralisada por outros dois motivos, que não têm nada a ver com apatia: medo da reação violenta da minoria que ensaia tomar o país (violência essa eficazmente demonstrada inúmeras vezes) e estrangulamento econômico – de modo que tenha que se preocupar em pagar contas e não possa sair em busca de justiça.

Se há uma classe que está sacrificando sossego e muitas vezes a própria sobrevivência, essa classe é a dos profissionais da imprensa – alguns poucos deles é verdade; mas, coragem, integridade, coerência e desprendimento não são virtudes que possam ser implacavelmente cobradas de todos em determinadas épocas e situações, pelos mais variados motivos. Dentre estes, o mais importante – e que por isso mesmo exige resignação e coragem para assumir uma posição de neutralidade – é saber-se responsável pela sobrevivência de familiares indefesos.

Até hoje, muita gente não entende porque é que padres devem ser celibatários e não podem constituir família. Quando Jesus chamou aqueles que se dispusessem a seguí-lo, na missão de pregar o evangelho pelo mundo, intimava-os a largar tudo como condição sinequanon. Muitos, ainda hoje, atribuem o que o Mestre dizia a valores morais ou à enaltação que estaria fazendo aos méritos da renúncia aos bens mundanos. Entretanto, Ele conhecia muito bem o tamanho e a forma do combate a ser enfrentado. Não se pode ter pontos fracos e nem temer a própria morte em determinados tipos de batalha. Famílias e bens são pontos fracos em determinados tipos de batalha. Não é demérito para ninguém constituir família e ter como dever máximo a sua proteção – seu empenho e parceria são bem-vindos, mas sua capacidade de combate é limitada.

A maioria dos brasileiros é limitada. Talvez por isso, especialmente neste momento da vida nacional, sinta que deva aparentar apatia. O inimigo sabe disso. Só há duas formas de fazer com que essa situação se modifique: a primeira delas é garantir segurança (ou pelo menos igualdade de armas) para o bom combate; a segunda, e mais trágica, surge quando a sobrevivência se vê inevitável e irrefutavelmente ameaçada – quando não há mais nada a perder, além da própria vida, para que os entes queridos sobrevivam, aí o medo desaparece.

Há momentos em que dizer certas verdades é inútil, porque apenas desestimulam ou magoam, sem que nada de proveitoso possa ser extraído de sua revelação. Porém, há também as vezes em que, ainda que se saiba que ela possa magoar, a verdade deve ser dita – o que quase sempre é o caso -, porque ela pode trazer luz e até salvar, apesar do sofrimento. Quem ama e deseja ver o sucesso de alguém age assim, mesmo que corra o risco de ser mal interpretado – porque ser mal interpretado não mata, mas culpa, por omissão principalmente, mata sim, lenta e implacavelmente.

É por isso que muitos brasileiros têm sido obrigados a chamar às falas muitos daqueles que outrora admiravam e defendiam. Chega um determinado momento em que ou assim se faz ou abandonam-se os que se tinha como amigos. Ora, quando se é amigo de alguém, o mínimo que reza a dignidade é dar-lhe a chance de se defender ou de confirmar aquilo sobre o que repousa nossa suspeita de estar acontecendo. E não há como fazer isso sem dizer a verdade sobre o que estamos vendo e sentindo. É uma questão de lealdade e de justiça.

Assim, através da imprensa e da internet, muitos têm chamado às falas a OAB, a Igreja, o Ministério Público, a Justiça, o Congresso, as Forças Armadas e a própria mídia. Ninguém saiu por aí cobrando reação, e muito menos dignidade, do MST, da CUT, dos movimentos de esquerda e já desistiram (os que algum dia foram iludidos) de o fazer em relação ao PT ou ao próprio Presidente Lula. E por que ninguém fez isso? Porque destes últimos não se esperava nada diferente do que estão a fazer. Já daqueles em que se depositava confiança ou, no mínimo esperança espera-se ao menos o direito de questionar, de se indignar, sem que isso signifique uma declaração de oposição explícita, ou de animosidade.

Pelo amor de Deus! Cobrar atitudes e posicionamentos verbais, diante do silêncio mórbido e cruel das instituições do país, agora virou oposicionismo e animosidade? A sociedade não está apática coisa nenhuma. As instituições é que estão, a maioria delas. A sociedade está falando e fazendo o que e como pode – ela apenas não encontra eco. Quando todas as instituições silenciam ou são dúbias em seu posicionamento diante dos fatos, elas transmitem para a sociedade um sinal de que, se as coisas não estão boas, elas estão ao menos sob controle. A dúvida muitas vezes é a mãe da apatia e dos desentendimentos. E, para finalizar: ninguém cobra atitude daqueles em quem deixou de confiar ou daqueles em quem não acredita serem capazes de agir.

1 comment:

  1. "A sociedade está sim paralisada por outros dois motivos, que não têm nada a ver com apatia: medo da reação violenta da minoria que ensaia tomar o país (violência essa eficazmente demonstrada inúmeras vezes) e estrangulamento econômico – de modo que tenha que se preocupar em pagar contas e não possa sair em busca de justiça."

    Esta afirmação não só é verdadeira, como é universal (o que suporta sua veracidade): basta ver o medo que o mundo de hoje tem de suportar Israel na sua luta contra inimigos que nada mais querem do que exterminá-la. Vão ganhando, assim, os terroristas daqui e d'acolá.

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